Seu último fantasma.
Ontem eu te vi no formato da boca de uma atriz.
Nuns lábios comuns, na cicatriz da minha cintura, no milho de pipoca que a gente não fez todo, naqueles filmes que pegamos pra maratonar, nos morangos que a gente comprou, e não comeu, naquele sorvete de morango que ficou tanto tempo no meu freezer.... Eu ainda vejo você.
Minha casa é como que assombrada. Pequenos fantasminhas se empilham em formas concretas e dão movimento pra cena do meu cotidiano.
Quando as visitas vão embora, os copos ficam, os lugares da cama-sofá ficam, o colchão no chão fica, o livro bonito que eu encontrei pensando nelas fica fora da estante.
As roupas sujas se acumulam onde elas dormiram e, como um fenômeno paranormal, se antropomorfizam. Ganham volume.
Talvez todos movimentos de permanência. De eco. De cultivar uma pausa que possa ser seguida da retomada de um passado de meses.
No começo, tudo ficou esperando por um prazo um pouco maior por você. Os copos que nós utilizamos ficaram em cima da mesa, as panelas nas quais fizemos o almoço ficaram sujas, o histórico do lugar do filme em que paramos ficou salvo, o saquinho de milho ficou do lado do fogão e o vinho ficou tampado.
Numa necessidade material, todas as migalhas da sua presença foram se limpando com o tempo. Os copos estão todos limpos e as panelas já fizeram muitas outras refeições depois da nossa.
Foi um prazer enorme te ter aqui, os gatos te amaram.
Mas tá na hora de limpar a casa.
De verdade.
De você.
Muito obrigado, viu?