Mais uma carta de domingo
28 de maio de 2023
Passeio os olhos pelo quarto, o vejo sentado, fumando, pensando... O vejo me ouvindo e me olhando até a vista se perder.
Percebi que você e o que sinto por você não é o foco dessa minha situação, mas sim um meio para a manifestação dela.
Eu deito no chão desse mesmo quarto e choro como criança. Me abraço para perceber que posso me sentir além desse sofrimento.
Me olho no espelho e conto minhas qualidades. Repito: você é forte, é bonita por fora, é bonita por dentro, merece seu próprio carinho, merece também o carinho de outrem... E os sentimentos que me tomam são culpa e pena.
Lembro-me de quando me jogava ao chão quando criança, gritava e chorava, mas por motivos distintos dos quais crianças o fazem, sentia autoculpa, e essa dor de existir... Isso retornou, mas por quê? Por que isso retornou?
Certa vez escrevi sobre a criança que veio ao mundo para sofrer. Acredito nisso? Não! Não me colocaria essa pena por pura crença, pelo racional alimentado pela desgraça... A criança sentia constantemente que veio ao mundo para sofrer, e refletia os pormenores disso: era como um monstrinho de garras afiadas e fininhas perfurando seu estômago, mas não o suficiente para fazer mostrar. Isso é terrível, não é? Uma dor que ninguém nota, sem vestígios, de um mal que ninguém vê, em quem é assim tão frágil e dependente.
Por que fazia isso, criança? Por que veio ao mundo com essas reflexões? E por que agora, quando adulta, essa coisa resolveu voltar? Pense... Reflita! O que te fez e te faz retornar a sofrer?
Não se esqueça que o abandono das mãos e das palavras tão impuras não gerou seu desamparo, não foi seu desabrigo, nem sua desproteção, mas sim, sua libertação.
A euforia virá. Aproveitarei para dançar comigo, ler um bom livro, me fortalecer disso, e me buscar.
Tá tudo dentro dessa cabecinha perfurada, basta emendar-me e dar-me o gosto a crer.
Analogias com o passado podem também trazer felicidade: o sol de tempos atrás me odiou intensamente, mas hoje, o beijo para que seja bondoso, para que permita-me amar e ser.
Iniciei falando em você, e finalizo fazendo o mesmo: obrigada pelas palavras de outrora, elas dançam em minha cabeça e fazem meus pés se mover.