A FALA AMOROSA
(pelo Orkut, 15Dez2007, 03h11min)
AUSÊNCIA
Ana Wagner
labaredas no olhar
num delírio de nada
verde constelação
na madrugada
luar de leite
folhas de prata
agora dia
e o sol ferindo a vista
como um lírio aberto
logo mais, crepúsculo
fechando o cálice murcho
de um jardim deserto
depois a noite
e eu sem vê-lo
e eu sem tê-lo
o sonho iluminado
por uma profunda
e solitária estrela.
Aninha, amada!
Parabéns! Há poesia congeminada nestes versos...
Mas a necessidade feminina de sempre chorar o amado comprometeu o poema quando pôs nele o vírus do confessional, furtando-se à grande poesia: "...e eu sem vê-lo/ e eu sem tê-lo...".
Acaso venhas a suprimir estes dois versos de profunda possessão, o poema ressaltará a sua vertente de sugestionalidade e transcendentalidade.
Já se disse em muitos lugares, que “a Poesia não diz, apenas sugere...”.
Os dois versos se tornam pleonásticos, rebarbativos.
Ao terminares "... por uma profunda/ e solitária estrela" já está dito que estás sozinha e, portanto, ao escancarares a tua solidão (nos versos anteriores já citados), anulas o efeito poético, a força da sugestão e comprometes a tua criação com o lugar comum da poética prosaica dos apaixonados e seus derramamentos.
Estas peças assim feitas são suspiros e não poemas. À observação de sua materialidade, constata-se um bilhete de amor composto em versos e não um POEMA.
Mas, o que fazer? Até Cecília Meireles e Florbela Espanca fizeram isto quase a todo o tempo! Muito diferentemente de Adélia Prado, Lila Ripoll, Lara de Lemos, Lya Luft e outras deusas da contemporaneidade.
Poesia é o retrato da realidade, ou seja, a transfiguração da matéria da vida. Se o mundo mudou, se as relações interpessoais amante/amado(a) estão fugidias, rarefeitas pelo “ficar”, o poema lírico se esconde, envergonhado, nas páginas dos livros e nos escaninhos da memória dos que dele tiveram conhecimento.
Os amantes optam, nos últimos tempos, pela sensação tátil. A poesia está na ponta dos dedos, nas extremidades e protuberâncias túrgidas. Nos ouvidos não há mais lugar para o poema, na maioria dos jovens.
Resta, a quem sublima o ímpeto de Eros e que vive a Poesia dentro de si, a condenação à solidão emergente. E esta se esconde, enrubescida, na entrelinha do verso.
Tenhas em conta que a escrita, de plano, na sua titulação, declara que o tema a ser abordado no poema é a “AUSÊNCIA”.
Não te esqueças que o usual “vista” se referindo por sinonímia ao “olho” é incorreto em poética, enfim, em linguagem culta. Ali no 2º verso da 3ª estrofe: “e o sol ferindo a vista...”, seria melhor substituir o vocábulo “vista” por “visada”, que é o que o olho vê e constata.
É sempre de se perguntar ao autor se ele constrói o poema para o tempo presente ou para o tempo futuro.
E mais: se o poema serve para aplacar somente a ausência do amado ou se ele tem a consciência de que os olhos do presente podem levar o poema à memória e, em alguns anos, recalcá-lo no inconsciente coletivo.
E reverbera o verso de Vinicius de Moraes com a sua “Ausência”: “...Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa...”.
- Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006 / 2007.
http://www.recantodasletras.com.br/cartas/779424