Minha querida mãe!

Hoje bateu uma saudade danada de você. Então resolvi escrever uma cartinha como aquelas que eu escrevia nos tempos de internato, quando não havia telefone. Só os correios aliviavam nossa saudade. E hoje me vejo nessa mesma necessidade, pois ainda não tenho notícias de que aí no céu tenha se instalado alguma operadora de telefonia. Acho que o povo daí tá mais preocupado com a alegria da convivência diária e nem querem se meter na encrenca de estabelecer alguma via de contato com a terra. Então, mãe, vai ter que ser por carta mesmo. Também não sei quando irá chegar, pois o correio para o céu parece mais enrolado ainda. Nem sedex tem. Vai ter que ser carta comum e sem registro. As autoridades celestiais não curtem tratamentos diferenciados e entao é preço único e mínimo. Pro céu as coisas são bem diferentes que na terra.

Mãe, acho que ainda não te contaram o rolo que foi o seu velório. A sua mania de querer sempre ser chamada de Edith porque não gostava do nome de registro de nascimento que o Vovô Joanim lhe deu que era Theresa acabou deixando seus amigos sem encontrar a capela do velório. Só aparecia o nome Theresa, e ninguém te conhecia por esse nome. Viu! Vieram reclamar comigo. Mas eu disse que não tinha culpa. Por isso que sempre que eu ia na sua casa, nem campainha eu tocava, apenas te chamava "Theresa". E você não gostava nada nada. Não é? Perdão, mãe.

Vem cá! E o papai, como está? Oh saudade dele. Daqueles longos papos das noites de hospital com ele internado, quando eu morrendo de sono e ele querendo conversar o tempo todo. Tantas vezes dormia encostado na cadeira com ele falando. Tadinho! Diz a ele que a casa onde vocês moravam foi vendida. Ah, mãe! Todas as suas coisas daquela casinha nós doamos para as pessoas que cuidavam de você nos últimos anos. Ficaram muito felizes. Achamos que esse era seu desejo. E nós, seus filhos, ficamos também muito felizes.

Mãe, me conta da Lourdes que voou primeiro para o céu. Eta irmã esperta! Foi a primeira a se casar apesar de ser a penúltima filha e a primeira a voar para o céu. Acho que ela foi antes para ajeitar as coisas aí, ne. Fala com elas que os dois netinhos dela são lindos. Pena que não conheceram a vovó Lourdes! Rodrigo é um paisão danado.

Hoje lembrei tanto de você por esse mundo. Quanta luta! Você me ajudou tanto nos estudos. Dizia sempre que não queria que nós fôssemos burros que nem você, por que você nem ler sabia. Ah! Será que aí no céu tem algum projeto de alfabetização de adultos? Algum EJA? Olha, se não tem, é preciso cobrar das autoridades celestes. Eles tem obrigação de letrar todos seus habitantes em todas as línguas. Aquela história do Pentecostes, lembra? Todo mundo se entendia. Então, cursos de línguas e alfabetização aí, mãe. Senão você vai continuar a depender de alguém para ler as minhas cartas. Ainda bem que a Lourdes, sua filha, está aí e sabe ler. Mas ela também tem as ocupações delas por aí.

Ah! Eu estou me cuidando muito. Não estou mais mancando da perna esquerda. Não sinto mais dor. Viu? Quero chegar aí quando for a hora e poder subir a escadaria celeste tranquilamente. Já fiz um teste subindo a escadaria da Basílica de Sacre Coeur em Paris. E foi perfeito. Até agradeci lá na Igreja. Não é milagre não. Aqui na terra brincam muito de milagres e curas. Mas sei que o chefão daí, Deus, nunca faz a parte que nos cabe. Portanto, eu estou me preparando muito bem para subir as escadarias, inclusive a celestial.

Bom, mãe, por ora é isso. Não vou pedir resposta, pois você vai depender de outras pessoas. Quando a gente se encontrar, vamos comemorar o dia das mães com aquele almoço que você mais gostava, macarrão ao molho de camarão. Você comia pra caramba.

Beijo grande,

Seu filho