CARTA A CASTRO ALVES

Meu prezado grande poeta,

estive aqui relendo O NAVIO NEGREIRO. Não vou falar dos teus versos, pois acredito que são muito lidos. Mas vou fazer um elogio póstumo ao seu talento. Inacreditável que tenha escrito no seu próprio tempo tal obra. Às vezes, seguro uma página qualquer parada em minhas mãos. Suspiro, como imagino que você tenha suspirado ao escrevê-la. Mas eu suspiro emocionado por ter um exemplar e tê-lo em mãos sob os olhos.

Vou lhe confessar o inconfessável, já não vejo elogios à sua verve há tempos. Não sei se o seus versos se tornaram inconvenientes para o meu tempo. Mas digo a você, grande poeta, o meu tempo às vezes traz notícias de escravidão. Não é que haja silêncio quanto a ela, os jornais nos dão notícias com protestos por parte dos jornalistas. Mas sei que existe muita gente que nem tem tempo de ver jornais.

Digo-lhe, e isso talvez faça você revirar de raiva no túmulo, os homens do meu tempo correm atrás das fortunas invisíveis. E não tem tempo de pensar em justiça humanitária. Não todos. Uns poucos se batem como Dom Quixotes em prol da família. Quer dizer, atrás de um valor que seria o início de uma preocupação que talvez ocupasse totalmente a mente de todos. Mas mentem tanto em nome dos nossos grandes valores, que nem sei.

Meu grande Castro Alves, eu sei e acredito que os negros nasceram por criação de Deus.

Estou emocionado, hoje é 13 de maio de 2023, muitos anos depois da assinatura da Lei Áurea. Ela mesma, a lei que libertou nossos irmãos da escravidão. Pouco se falou da data, pouco se festejou a sua passagem. Eu vou parar um pouco, passar o lenço pelos olhos...

Navio negreiro eu sei, era aquele navio que cruzava o oceano trazendo os nossos irmãos que aqui seriam escravizados. Mas, veja: a palavra açoitador tomou um valor simbólico tão alto, que coitados dos poetas: os seus poemas falando do trabalho forçado quando empregam esta palavra resultam em poemas comuns. E eu aponto como valor simbólico o valor que se dá a uma palavra que precisamos recorrer ao dicionário para saber em que sentido ela está sendo empregada.

O valor simbólico eu não vejo em poesias. Os poetas do meu tempo, assim como eu, lutam com palavras, como diria o nosso DRUMMOND, e seu versos assumem a roupa que usa o poeta que os escreveu. Mas não com a propriedade que os seus versos, Castro Alves, têm até hoje. Basta mencionar seu nome, Castro Alves, e todos o reverenciam. Merecidamente. Nisso não vai nenhuma queixa, porque o meu tempo é para todo poeta que surgir. Nisso vai só uma constatação: CASTRO ALVES você é um poeta imortal ainda.

ATÉ BREVE;

Aristides Dornas Júnior
Enviado por Aristides Dornas Júnior em 13/05/2023
Reeditado em 13/05/2023
Código do texto: T7787347
Classificação de conteúdo: seguro