CARTA A UMA AMIGA VIRTUAL

 

 

Hoje tenho tomado consciência de meus anos de vida, não sei de quanto será minha  existência. Muitos pensamentos têm-me, insistentemente, afligido o espírito. Alguns passam a noite a rodear-me, envolvendo-me e requerem, de mim, explicações às coisas que talvez estejam além da minha compreensão. A verdade é que tenho procurado nos textos literários, a priori nos poéticos, possíveis esclarecimentos para as minhas angústias. Tenho refletido muito sobre o meu ideal de felicidade, porque, assim, poderei compreender-me e aos valores que, historicamente, têm me acompanhado. Penso que muitas das minhas aflições decorrem dos ideais dos novos "homens"; exigindo de mim uma certa racionalidade para examinar os meus próprios sentimentos. A bem da verdade, é que tenho procurado esse entendimento a partir da reflexão do pensamento progressista em minha vida. – Como posso, confiar os mais sinceros sentimentos, sem ultrajar a nossa sã e fecunda relação? Tenho por ti uma admiração quase que divinal! Entretanto, é verossímil que os meus olhos já não te veem com o mesmo olhar. A tua imagem, antes tão fria e distante e, terrivelmente, vertical, tem-se modificado, gradativamente, à luz da inteligência humana. Contudo, minha amiga, em meio a tantos pensamentos, livros e enciclopédias, sinto-me, ainda, extremamente bucólico. Um forte sentimento terno tem-me contagiado, remetendo-me a um passado distante. A bem da razão, resigno-me a imaginar, no plano da fantasia, a mulher em seu estado natural, não corrompido pelos valores da civilidade. E, nesse plano, posso visualizá-la sem que minha alma se corrompa pela artificialidade da vida liberal. O fato, minha amiga, é que não pertenço a este tempo, mas posso retroceder para que minha alma se una a tua. No plano da fantasia, tudo posso, tudo me é permitido sonhar. Posso ver-te por entre as nuvens dos meus pensamentos, posso sentir a tua presença, amar-te, adorar-te. Mas a cruel realidade, com todas as suas frívolas engenharias, afasta-nos. A contar pelo tic-tac do relógio que, insistentemente, alerta-nos a hora, pelos rigores dos ofícios, pelas exigências comuns à vida moderna.
É, minha querida, uma gama de valores diplomáticos permeia a nossa cortês relação, restringindo-nos a qualquer possibilidade de realização afetiva. Falta-nos a poesia, falta-nos o olhar sensível, não mascarado pela racionalidade científica, que submete o poeta a refugiar-se aos campos sob a condição de tornar o Real em Belo.
Novamente confesso-te que, embora meu espírito tenha nascido a algumas decadas, a esse tempo não pertenço! Caso eu pertencesse, não me acompanharia, hoje, em tal nostalgia. Meus sentimentos se elevariam comovidos com a sensatez das suas ilustrações poéticas; e o meu espírito não se afligiria mediante a contida emotividade de suas liras musicais. Não desejo mais ser o seu sonho de consumo, não quero me imortalizar por seus versos, a sua expressão de afeto tem sido dissimulada e oportunista. Hoje, não desejo ser o tema de seus poemas galantes e perfeitos, pois sei que são vãs, são-lhes refúgios para as suas copiosas e dignas responsabilidades civis.
Quero-lhe com todos os artifícios e vícios comuns a nossa civilidade; com todas as angustias da alma. Desejo naturalmente, ser reflexivo, ponderado, irremediavelmente, curado e esclarecido. Todavia, não desejo-lhe mal, ou ser rude, e ausente de significância. Amiga desejo-te muito bem, entretanto, não posso entregar-me, intensamente em seus braços. Que Deus te proteja e abençoe sempre.

 

 

Obs.: Esta carta foi escrita em 2008 a uma amiga que possuia minha senha do recanto para poder postar imagens em seus escritos. Mas infelizmente a mesma deletou minha conta do Recanto.