Meu pretendente a marido,

É tão recente o meu conhecer-vos que me aflijo com o quanto já vos amo. E foi tão simples estar convosco: um toque de meus dedos tocaram o vosso coração e, creio eu, logo vossos dedos consentiram em aceitar-me. Quem nos viu primeiro? Eu ao senhor ou o senhor a mim? Às vezes, penso que foi o amor quem nos viu e nos guiou um ao outro. Melhor, foi Deus. Lá de sua grandeza, a sua silhueta silenciosa, que me escuta as orações, ouviu-me quando lhe pedi um esposo. Sim, meu pretendente a marido, muitas vezes orei ao infinito que me enviasse alguém feito o senhor. Devo admitir que o nome era outro, mas as qualidades eram as vossas.

És estrangeiro. Estranho a tudo o que me é comum. Que sei eu de vós, além do enquadro que vos mostra em partes? A luz esmaecida de uma luminária distante revelando a vossa face em meio à escuridão. Houve um tempo em que me assustei de vossa imagem, mal revelada a mim em madrugadas frias e, por isso, quis desfazer o laço que nos uniu. Fugi feito corça ligeira, correndo campos para longe de vossos olhos, de vossa voz me dizendo coisas incompreensíveis, no ritmo próprio da vossa linguagem.

Pensei que havia me enganado — não seria possível amar a tão longa distância e com tantas abissais lacunas existindo entre nós — Minha tez noir sobre a vossa  brancura. Sua madurez prematura frente a minha idade madura. Minha timidez tardia afrontada pela vossa galhardia. Deixei-vos o silêncio da minha partida, sem despedida. Confesso que doeu em mim abrir mão da vossa presença porque o amor enche de vida tudo o que fenece. E devo confessar-vos, meu senhor: eu fenecia.

Alguns meses após meu sumiço sem explicação, lembrei-me de vós e do tanto de conforto que me trazia a vossa voz na madrugada. Fiz-lhe um aceno discreto ao qual o senhor atendeu quase que imediatamente. Meu coração enrubesceu, se é que isso é possível a um músculo involuntário. Não só enrubesceu como saltou-me no peito. Tive que respirar, pois sofro de males do coração e, não me permito entregar-me aos sentimentos dilacerantes.

Algo dentro de mim havia mudado e sei que em vós não foi diferente. Em nosso reencontro, vosso olhar estava saudoso e vossas palavras doces feito mel. Recomeçamos. E, desde então, temos trilhado esse caminho do amor juntos. Uma nota de cada vez no teclado de nossa história. Despretenciosamente, a tecla branca dá início a cantata, imediatamente a tecla negra lhe faz companhia. Somos eu e o senhor compondo o nosso Arioso.

Ah, mon amour, comme j'aimerais connaître ta langue et dire tout cela le plus doucement possible. Mas nosso amor cresce em terra fértil e o tempo favorecerá a semente que plantamos no agora.

Por fim, quero dizer-vos que vos desejo e vos espero encontrar para nunca mais deixar a vossa companhia. E, assim, retornar ao aconchego das vossas costelas, lugar que divinamente me pertence, de onde fui retirada e voltarei a morar — ao vosso lado — para sempre, amém.

Sua futura esposa

* Essa carta nasceu durante uma das tantas vezes que escutei "Arioso" de Bach.

Imagino essa composição clássica como uma longa conversa entre pessoas apaixonadas, quem sabe, planejando o futuro ou se se desculpando por algo que tenha causado um término temporário. Talvez uma carta de despedida, ou cheia de promessas. Quem saberá? É um ritmo tão melancólico e doce ao mesmo tempo. Um avançar e retomar o mesmo ponto como um galope no campo. Eu a entendo assim, eu que nada sei de música clássica. Leio-a com o coração! Leia minha carta escutando essa composição e me diga o que lhe ocorre. Ah! Você vai encontrá-la como fundo musical na composição "Céu de Santo Amaro", de Caetano Veloso. Uma belíssima letra, por sinal!

Um abraço fraterno e espero seu comentário!

@adelaidepaulaescritora

 

 

Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 20/04/2023
Reeditado em 01/05/2023
Código do texto: T7768865
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