O GRITO QUE NINGUÉM OUVE...

Antes de iniciar este meu escrito, titubiei quanto à categoria que eu o classificaria.

Escolhi "cartas', embora não saiba muito bem para quem escrevo.

Talvez para mim, talvez para o mundo, quem sabe para as autoridades, ou talvez para uma dor em particular de alguém que sofre em silêncio, tanto quantos outros que sofrem mas que também não conheço.

Mas preciso contar.

Ontem fomos surpreendidos com o falecimento duma garôta de dezesseis anos, mais uma vítima da violência urbana de São Paulo.

A mãe na direção do automóvel viu a menina ser baleada, quando abordadas no trânsito, a garôta fez um movimento para pegar a bolsa no banco de trás para entregá-la ao assaltante.

Com uma lesão por arma de fogo no segmento cefálico, sob os olhos da mãe, a menina faleceu dois dias após a instantãnea morte cerebral.

A família, a serviço da solidariedade, doou os seus órgãos.

Soube da notícia através da minha filha, que treinava a garôta no futsal feminino da escola.

Jovens como nossos filhos, ainda não se familiarizaram com as perdas sucessivas da vida.

Percebi a inquietação, a decepção, o medo, os questionamentos...

"-por quê, mãe?"

-Não sei, filha, não sei...

Ah, como gostaríamos de ter todas as respostas às coisas do mundo!

Senti meu coração estrangulado!

Já vivi um tempo suficiente para entender que nossas dores...são nossas! O mundo passa, e elas ficam.

Também me pergunto o porquê disso e de todo o resto.

Há dores que não têm preço.Mas pior que isso, há problemas que me parecem não ter soluções. O da vioLência, por exemplo.

E até tenho percebido um reforço no policiamento da cidade, mas na verdade, todos sabemos que a questão da violência é complexa, e não será equacionada pela força policial.

Às vezes me pergunto se o sensacionalismo da imprensa não torna os fatos mais estarrecedores, mas na verdade concluí que não, pois não vi este triste acontecimento tão próximo de nós, ser noticiado pela imprensa.

Do que concluo que é justamente o contrário.

As barbáries continuam acontecendo e os números são subnoticiados.

Sinto medo dos movimentos inerciais da vida, mas muito mais da inércia da sociedade que apenas computa os números...

Não sei o que falo.

Com o peito acelerado, apenas silencio a voz, em respeito a dor dessa e de tantas outras mães, e pais, e filhos, e irmãos, e amigos... que passaram por tal dor imensurável.

Sei que o consolo não virá das vozes da Terra.

E às vozes do Céu eu rogo ao sofrimento...o seu justo alento.