UM DIA APÓS O MEU SUICÍDIO

Um dia após o meu suicídio, eu vi meus pais me chamando, pois chegaram em casa e não me encontraram na cama vendo o meu tradicional futebol, e muito menos na cozinha tomando suco no copo da Starbucks. Eu vi meus pais subirem ao meu quarto e me encontrarem no chão, todo dilacerado com minhas roupas sujas de sangue e minha mãe perguntando onde ela tinha errado (aos prantos); o meu pai inerte na porta sem saber se a acalmava ou se chorava a vida do seu filho que, por vezes, não falava com ele, nem ao menos para parabenizá-lo pelo seu aniversário ou, até mesmo, quando ele fora morar em outra cidade.

Um dia após o meu suicídio vi minha namorada mandando várias mensagens perguntando o que havia acontecido, já que suas últimas conversas tinham sido na noite anterior e a despedida havia sido com um caloroso “eu te amo”, já com a voz um pouco mais grossa por causa do sono. Era de manhã e as milhares de mensagens de ‘bom dia’ já estavam lá, porém, era chegada a noite e elas ainda permaneciam lá, sem nenhuma resposta, sem nenhuma reação, sem nenhuma visualização. Ao receber a notícia do ocorrido, a vejo paralisada e torcendo para que aquilo fosse um pesadelo, para que aquilo não fosse verdade; torcendo para que algo a faça acordar. O sofrimento, o choro e a tristeza a perseguirá ainda por muito tempo. Ela me amava mais que tudo!

Um dia após o meu suicídio vejo meus amigos escrevendo mensagens dizendo que eu era um cara legal, que eu faria falta e que as resenhas não seriam mais as mesmas sem mim. Vejo diversos post’s nas redes sociais desejando que eu estivesse em um lugar melhor, mas todos muito superficiais; consigo ver que apenas alguns - bem poucos - realmente sentiram minha falta e, por incrível que pareça, pessoas que nem estavam tão próximas a mim, que eu nunca tive um laço de afinidade tão forte, foram abalados pela minha partida. Consegui ver também alguns amigos lamentando pelo ocorrido, mesmo que nunca tivessem me feito nenhuma visita sequer, nem ao menos perguntado se eu estava ou precisava de algo; o remorso tomou conta de pessoas que sempre estiveram comigo, mas nunca perceberam nada de diferente

Um dia após o meu suicídio vi membros da igreja discutindo sobre minha salvação. Entravam em debate entre si, se poderia alguém que tirou a própria vida entrar no Reino dos Céus. “Suicídio não tem volta, pois tirou a própria vida e não deu tempo de se arrepender”; “Discordo, Deus não é injusto ao ponto de desconsiderar toda uma vida nos Seus caminhos e condená-lo por segundos de desespero, angústia ou dor”. Até mesmo no meu velório os mais crentes – extremistas - discorriam disso. Aah, que pena! Eu vi pessoas orando por mim, mas também vi pessoas que pouco se importaram, afinal, “nós nem éramos tão amigos”. Enquanto em vida, eu desconhecia um cristianismo assim.

Um dia após o meu suicídio e vi centenas de pessoas fazendo fila até o cemitério para uma última despedida, para um último choro. Pude perceber que muitas pessoas ainda estavam ali incrédulas com o ocorrido. “Poxa, como assim ele fez isso? Ele estava sempre sorrindo e brincando, era tão feliz”. As pessoas continuavam anestesiadas, sem conseguir raciocinar direito mediante ao repentino ocorrido, sem conseguir entender como a vida pode ser tão cruel e rápida como um sopro. Muitos passaram a refletir em suas ações e entenderem que o máximo de atenção deve ser dada para aqueles que amamos e desejamos sempre por perto, antes que seja tarde e não tenha volta mais.

Um dia após o meu suicídio de nada adiantou todos os tipos de condolências ou lamentações, pois já estava feito e não havia mais volta. Nenhum choro, nenhum pedido de volta, nada mais faz sentido. Uma semana após o meu suicídio, apenas pessoas que posso contar nos dedos de uma mão, ainda sentiam a dor da perda e da ausência e, são apenas essas pessoas, que continuarão a sentindo por todo o sempre. Daqui eu pude notar que por orgulho, a maioria das pessoas deixam preciosas oportunidades de demonstrar seus sentimentos, acreditando que pode fazer isso depois, infelizmente não podem. Pude perceber também que muitos estão gritando por socorro em silêncio, mas nem mesmo os mais próximos percebem. Daqui eu nada posso fazer, apenas continuar observando todas essas pessoas se aproximando cada vez mais do lugar onde estou, para ver as coisas que eu vi, se alegrarem com as coisas que me alegrei e se decepcionarem com as coisas que eu me decepcionei.