Da arte de ser poeta

“ Por ser exato, o amor não cabe em si,

por ser encantado, o amor revela-se,

por ser amor, invade e FIM."

Djavan in Pétala

Poeta Sonhador,

Descobri que a razão para não ler novos poemas seus há tanto tempo é a falta de Musas: “poema, soneto, prosa lírica, é preciso que se tenha uma musa (...), por isso às vezes eu páro”. Soube que enfrenta entressafra, período em que Musas ficam em falta no mercado. Aí, o jeito é se virar sem elas ou esperar nova colheita.

Lembrei-me do mito grego : nele, Musas são deusas que representam todas as formas de pensamento. Do namoro de Zeus e Mnemosine, deusa da memória, nasceram as nove Musas. Viviam no Olimpo protegidas por Apolo, eternizando-se belas e jovens. Viam o futuro e tinham o dom de banir toda a tristeza e dor. De “musa” derivam música e mosaico – artes das musas - e museu – o templo delas.

Mitos exigem interpretação e por isso geram polêmica. Perdoe-me por discordar de você - sempre tão sensato e em cujo comportamento aqui no RL me espelho -, mas não acho que são Musas que te faltam : é muito raro deparar-se com deusas fora do Olimpo...Além disso, por serem filhas da Memória, para encontrá-las, bastaria vasculhar experiências já vividas... Na minha opinião, a poesia não é elaborada, mas libertada. Ela impregna o universo e cabe ao poeta transformá-la em palavras, para que alcance os demais mortais. A poesia está em nosso íntimo, aguardando, esperançosa, a hora de abrirmos as comportas do coração, para que ela voe como passarinho para o papel. O amor é poesia esperando libertação. Se Deus é amor e uma fagulha dEle vive em nós, é aqui dentro que devemos buscar a inspiração. Há que se ter entusiasmo ( na etimologia "o sopro de Deus em nós"), para oferecer amor-poesia ao mundo.

É preciso viajar para dentro de si, para entender o que é seu e depois plantar-se no papel. Mergulhando nas águas deste interior desconhecido, quebra-se a arrogância que nos faz ver o mundo como idealizamos e não como ele se nos apresenta. Das excursões interiores, além de auto-conhecimento, trazemos souvenirs amorosos que distribuimos entre aqueles a quem quereremos bem.

Assim vem a inspiração, chave do cadeado que liberta o meu pássaro poeta : um gesto, uma possibilidade ou a sua falta, um sorriso, uma música, uma palavra. Olho pela janela da alma : às vezes, vejo uma paisagem; em outras, uma memória. Quase nunca me chega o todo, mas prefiro me contentar com o que tenho : não se ter o Todo não é o mesmo que se ter o Nada.

Cada um desenvolve um jeito próprio de encarar o mundo e lidar com o lirismo na realidade. Esta teoria de busca de inspiração nos recônditos da alma oferece, no mínimo, autonomia de vôo. Há os mais independentes que preferem assim. Outros, como você, preferem projetar na tela alheia aquilo que está bem acondicionado e etiquetado no próprio interior. São detalhes: o importante, como diria o compositor, é que a emoção sobreviva.

Desculpe-me, acabei invertendo os papéis : quis te ajudar a se inspirar, mas sua falta de Musas tornou-se minha fonte de inspiração hoje.

Sinto falta dos seus lindos e inspiradores poemas. Confesso que atrevi-me aos primeiros passos na poesia acompanhando seu ritmo lírico.

Que você regresse em segurança do Reino da Realidade.

Torço para que revalide logo seu voucher do Reino da Poesia.

Com muito carinho e admiração,

Maria Paula Alvim
Enviado por Maria Paula Alvim em 12/12/2007
Reeditado em 09/01/2008
Código do texto: T775507
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