Tão lua
Alto Sertão, 12 de dezembro de 2022.
Minha querida,
Sua última carta me acalentou tanto...
A começar pelo traço de luz iluminando através das ranhuras. Algo tornou-se evidente: a luz que me habita, de fato, é meio sombria e um pouco densa. É difícil pensar que estava negando este fato até agora, por pensar que toda luz deveria ser um raio de sol, puramente brilhante e cintilante e ofuscadora de olhos. Mas, não vejo toda essa luz aqui dentro.
Me sinto tão lua vendo aquela imagem...
Como seria a textura desta luz que é minha, mas que não nasce em mim?
Uma luz apropriada e que se torna inerente justamente porque reflito outras luzes à minha maneira. Entendo que sou uma fagulha genuína daquela luz suprema, mas que não brilha sozinha. Ela é potencializada, legitimada e caracterizada pelo reflexo da luz mais abrangente e esparramada.
Ressoando tanta luz, passo a ser luz (essa ideia vibra muito forte aqui dentro, ainda mais depois de ontem, quando encontrei-me com os escritos de meu caderno espelhado, dos quais logo encaminharei algumas páginas).
Não sei se estou conseguindo explicar. Mas, será que consegue, ao menos, sentir?
Sou luz de luar e habito as frestas e os buracos. Um corpo-lua. Talvez, tenha me escondido, justamente, porque vou invadindo os frisos, brilhando sutilmente nas trinchas e nos rasgos. Sinto que meu brilho, então, invade as ranhuras de meu ser e do mundo que me circunda. E isso tem se tornado cada vez mais pungente.
Neguei, durante muito tempo, a possibilidade de banhar o mundo com minha luz obscura, pensando ser uma fuga. Hoje, vejo que, simplesmente, estava tentando ser quem realmente sou. Só que o medo do julgamento e das críticas me fizeram renunciar, por inúmeras vezes, as luzes que queriam refletir-se em mim. Sobretudo, negar a luz sombria que saia de meus poros.
Esse medo me persegue há vários anos e, como já disse em outro momento, me fez construir diversos mundos , nos quais mostrava, somente, partes de mim - partes totalmente controláveis e não passíveis de julgamentos. Pequenos raios de luar, quase invisíveis, mas que você conseguiu enxergar muito bem.
Sigo refletindo tua luz e banhando algumas frestas com meu brilho tênue (agora, já sem medo de encarar o que realmente sou).
Com carinho,
Raio Lunar