Tirar a venda

Eu quero te agradecer por ter feito algo à princípio simples, mas que foi de grande importância pra mim.

Até aquele momento, eu sentia como se estivesse andando com lentes que atrapalham a minha visão. Lentes que me faziam ver a todo momento a maldita culpa e a venenosa vergonha, sanguessugas da minha felicidade. Nuvens de gafanhotos que voavam sobre os frutos de minhas ações. Me julgam como um não merecedor. Um não conquistador. Um sem valor, incapaz de contribuir com alguma coisa para o mundo e as pessoas habitantes deste. Descartável. Opaco. Desprovido de brilho, incrustado na escuridão. Uma névoa de trevas me afogaria eu não poderia pedir socorro. Seria varrido da vida e da existência visível.

Essas lentes me faziam ver tudo em minha vida sob a ótica dessas maldições. Cada tentativa de comparação era um atestado da minha insignificância. Cada conquista era diminuída até virar um aparente nada. Sentia minha constituição tornar-se semelhante à de um verme. Denominava-me um ser constantemente defeituoso. Um momento de autocrítica caía sobre os meus ombros tal qual uma bigorna. Uma pesada bigorna que eu tinha dificuldade de aguentar, muito menos me livrar.

Eu não iria para lugar nenhum. Não sairia da minha miséria particular. Afundei nela e a transformei na minha própria cova e no meu túmulo.

Você me viu em um destes momentos. Um momento no qual eu aceitei minha maldição. Havia desistido de quebrá-la e de provar que ela estava errada. Abri mão de tudo o que eu queria para viver uma vida ditada por ela. Suprimi todos os meus sentimentos sobre certo, errado, bem e mal para me submeter a isso. Escolhi manter uma falsa compostura ao invés de brigar pelo o que eu quero.

Você chegou perto de mim. Não se deixou afetar pela negatividade ao meu redor. Chamou minha atenção. Por fim, você depositou todo o afeto nutrido em relação a mim, por todo esse tempo, sobre mim. Senti como se fosse algo tão grande que não pude suportar ou digerir de uma vez só, de forma imediata. Você não ligou de me ver afogando naquele sentimento e afundar nele. Era um gesto incondicional, carente de quaisquer expectativas e previsões de reações de minha parte. Eu respondi apenas com um olhar de espanto e surpresa.

Estava incrédulo. Tudo o que eu acreditei nesta vida. Todas as crenças para as quais depositei minhas moedas de ouro. Todas as ideias queimadas em minha pele, sem possibilidade de rejeição… Todas elas gritavam ao ouvir suas palavras. Assustaram-se com aquilo. Tentaram me acobertar novamente em seus cobertores, mas a semente foi plantada. E com seu germinar, surgiram as dúvidas. Sou mesmo uma criatura que não merece amor? Sou mesmo um homem sem valor e sem merecimento? Sou mesmo um desprovido de qualidades?

Tantas dúvidas, prontamente respondidas com aquele sentimento inesperado, porém forte e genuíno.

Após um revoar de pensamentos, tive minha resposta.

Não.

Um não para todas as ideias corrosivas em minha mente. Um não para todos os pensamentos ácidos que dissolviam meu valor. Um não para todos os terrores que me perseguiam juntamente com a luz do sol e com a sombra da noite.

Disse não para todo o peso flagelante em minha vida. Meus ombros se livraram do constante peso. Podia andar e caminhar sem pausas e nem recuos. Estava livre. Podia respirar. O ar parecia limpo. Podia sentir um pouco de dor na minha musculatura torácica, mas sentir minha caixa torácica se expandir com o ar foi uma recompensa gratificante.

Ao mesmo tempo, eu disse sim. Disse sim para aquele sentimento. Disse sim ao aceitar aquele afeto. Disse sim para todos aqueles que viriam depois daquele. E disse sim para toda a importância atribuída a mim, antes sempre respondida por mim com negação.

A partir daquele momento, guardei aquele sentimento como um amuleto branco em meu pescoço. Pude quebrar e abandonar aqueles pensamentos a partir dele, porém eles sempre se recompunham e voltavam a me assombrar feito aranhas, sedentas pelo desejo de me conterem em suas teias. No entanto, tinha uma solução simples perto de mim. Eu apenas agarrava aquele amuleto. Enquanto as memórias daquele momento percorriam minhas vestes de carne e sangue, ele gritava em luz, afastando as aranhas.

Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia)
Enviado por Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia) em 21/01/2023
Código do texto: T7700508
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