Depois do mergulho ou uma carta de agradecimento. É também sobre vingança, expansão e recolhimento.

Adriana,

Recebi e li sua mensagem no dia do meu aniversário. Mas a tentativa de me manter minimamente equilibrada neste exercício de recolhimento e expansão que é a vida, só me permitiu parar para responder-te dias depois (você descreveu bem esse exercício ao desejar que meu recolhimento, inevitável aos que perseguem a si mesmos, seja profundo o suficiente para que no instante seguinte, só me reste a opção de uma nova e mais longínqua expansão).

Não demorou muito, minha resposta, e espero sinceramente que não tenha achado que suas palavras não foram bem recebidas, ou até mesmo, que não foram lidas (nem se atreva a pensar isso!). Felicitações da sua parte me são necessárias por serem hilárias, ao menos para o meu senso de humor que se reconhece no seu.

Suas palavras certeiras, que nem receita de vó que mede a quantidade dos ingredientes pelo olhar, ecoaram em meu coração na exata medida da minha precisão naquele momento. Quero voltar para casa (algum lugar que não aqui, neste mundo), mas a lei não nos permite este livre arbítrio sem consequências absurdas ao espírito.

E por acreditar na vida após a vida, já que a morte é só um clichê de mal gosto, continuo a ter fé em astrologia, multiversos, carma e vingança. Mas não se assuste, que meu tipo de vingança é deixar que o mundo dê voltas. Causa e efeito, semeadura e colheita são leis da ordem do divino, cláusulas pétreas da Constituição que rege a democracia desta galáxia. Sobre as outras galáxias, prefiro não opinar, até porque se tivesse repertório para esse tipo de opinião, acho que não teria metade das dúvidas que me afligem.

Outro dia, em conversa com minha mãe, narrei a ela um parágrafo de um livro meu, ainda em fase de ensaio:

"o que ele fez comigo não se escreve. Ele tem que apodrecer em uma cova rasa e sem lápide que é para ninguém saber quem foi. Um indigente. Um represente legítimo da completa irrelevância. Ratos roerão seu caixão de péssima qualidade e se alimentarão do que por lá encontrarem. Sua mãe vai chorar a perda do filho, e mais, vai chorar a impossibilidade de velar seu corpo e se despedir. Porque ele vai sumir, simplesmente. E como será enterrado em lugar desconhecido para os poucos que notarão sua ausência, ninguém poderá lhe fazer visitas. Não há nada mais comovente do que a dor de uma mãe que nada pode contra a colheita do resultado das sementes que o próprio filho cultivou. "

Adriana, minha mãe se assustou tanto com esse trecho que precisei me esmerar em argumentos para convencê-la de que não são sentimentos meus, mas da personagem. Confesso-lhe que poderiam ser meus, e caso fossem, eu também precisaria de uma cova rasa, provavelmente ao lado do indigente sem lápide, porque a vingança, ainda que alimentada apenas no plano das ideias, mata também o vingador.

Entendo, contudo, que todo tipo de sentimento me é legítimo, e reconheço a necessidade das primeiras impressões que fogem ao nosso controle, resultado de uma animosidade natural. No entanto, o que fazemos no momento seguinte é o que nos distingue entre aqueles que se projetam de catapultas medievais e os que rumam distâncias abissais. A evolução é inevitável, cada qual no seu ritmo.

Não se esqueça do meu aniversário ano que vêm. Pressinto que ainda estaremos por aqui e prometo que resposta não lhe faltará. Talvez me falte é memória para lembrar de me vingar do seu esquecimento, caso aconteça, e me esquecer, de propósito, do seu aniversário. Mas espero sinceramente que não precisemos passar por isso.

Com o carinho de sempre.

Lorena de Macedo

@lireruaitura