Carta encantada

Amor,

Esta é a última carta de amor que te escrevo, assim tatuando em pétalas de todas as flores que quero te ofertar, para que borboleteies a fim de perfumar esse meu buquê que vive assim inodoro, sem a tua presença. Depois desta ridícula carta onde me derramo e me desmancho de tanto amor, todas as palavras soariam redundantes, tolas, desnecessárias. É que um sentimento assim, inenarrável, inesgotável, impetuoso não se contenta com palavras, tampouco se satisfaz delas. Esse amor tão grande que eu sinto por ti traz a humanidade de anjos, a sobriedade de palhaços e a sabedoria que é própria das crianças.

Meu sentimento por ti passeia pelas artérias e veias perfumando minha pele da tua existência, batendo teu nome em surdo “tum-tum-tum”, que desnorteia meus passos, contados em “bem-me-quer”, despetalando os “mal-me-queres” que porventura tracejem tua estrada. O que mais posso desejar em ardente prece, que não sejam teus sorrisos, tuas alegrias e o que houver de bom no mundo? Essas letras hão de servir-te de oração de bens eternos. Sempre que reler o que foi assim escrito com o fervor do sangue que viaja pelo meu corpo quando sinto seu nome, quando te percebo à beira de minhas mãos, estarás recebendo mais uma vez essa oração de bons presságios. Sem essa fervura, sem o sentimento, seriam só vírgulas, parêntesis, aspas ou dois pontos. Para o que eu sinto, não existem as interrogações, pois até elas exclamam entre linhas que “Eu te amo!”

Decidi que esta é a última vez que me perco em palavras, porque percebo que nenhum vocabulário seria minimamente capaz de externar e traduzir de forma satisfatória o que grita diuturnamente minha sístole-diástole. E é involuntário esse clamor. É como o último pedido feito à beira do cadafalso, como um último suspiro da fruta madura que não foi colhida, a última pétala murcha que se despede do pólen, sem ter virado mel...

Não, amor! Não te assustes. Não estou a falar de dores e de sofrimento. Ao contrário, falo de sopros de vida, laivos de sorte, gozo profundo. Sim. É isso que eu sinto desse sentimento: uma paz que alivia a alma de todos os temores, que abriga o corpo cansado, que acolhe a alma desgarrada, sacia e aplaca as fomes e sedes todas e eu sinto que me abro em flor. Sei apenas que quando meu corpo se apartar de minha alma, quando meu espírito sucumbir, estarei ainda contigo assim batendo em meu peito a última palavra, ainda que quando isso acontecer, seja o teu corpo apenas uma lembrança indelével, que levo tatuada em meus dias, inesquecível. Mais que isso, jamais relembrada, porquanto nunca esquecida.

Não te zangues com o amor que te proclamo. Nem o receba como castigo. Ele fica assim quietinho, aceitando menos que pedindo, pois pede tão somente que seja aceito. Cabe apenas a mim com esse meu amor sentir o que for bom e despir-se de tudo que não traga alento.

Esta última carta que te endereço pretende ainda trazer a você as primeiras palavras, de quando disse pela primeira vez “Eu te amo!” É que desde que proferi essas palavras, nunca houve um vacilo sequer deste sentimento tão imenso, intenso e imerso em todos os meus poros. É que desde então, você ocupou todos os espaços, as frestas. Você chegou do tamanho exato do que em mim faltava e desde então nada mais sobra ou falta. Tuas lembranças preenchem minha vida, sem lacunas.

O ar me bebe e nada mais está ausente desde que sua vinda existe em mim. Dentro de mim. O vento se encarrega de me dar tuas notícias e por ele, mando-te recados que só podem ser inteligíveis a um coração tão sensível quanto o teu. Toda noite, deposito meus beijos nas estrelas para que a cada piscar delas, sejas beijada.

Sabe? Minha vida faz par com a tua existência e a solidão não acompanha esse coração que sente tanto amor. Você nem imagina o quanto esse sentimento me é caro, o quanto eu cuido dele e como ele é bonito. Sabe aquelas máximas batidas sobre amor? Elas são tão presentes no que eu sinto por você... é lindo de viver demais pra que eu deixe virar sofrimento algum dia da minha passagem pela terra. Não cabe!

Minha vida tem uma data pra ter começado e foi quando a gente se fez verdade, que eu renasci pra um sentimento que me toma a alma de um jeito que tem o poder de me fazer sentir a vida. As coisas que eu pude viver com você... cada olhar, palavra, toque, troca... tudo isso deu um novo sentido a mim mesma e ao que eu quero ser da vida por/para alguém... uma espécie de anjo. Meu coração cismou de bater teu nome e bate tão lindo que não deixa esmaecer um tal sorriso que vive desenhando a lua crescente em minha face e que tem as letras do teu nome, a cor da tua pele, teu cheiro... Você está em meus sorrisos e eu quero estar nos teus. Você imagina o que é sentir assim? Acho que não. Acho que mais ninguém no mundo se sente assim. Só eu posso. É muito único e vai de mim pra você.

Nada mais importa agora. Nada mais resta a ser dito, depois dessa tentativa de transcrever o que sinto, o que meu corpo recebe do meu espírito. Beijos nos pés para abençoar teus caminhos, sinalizar possibilidades... Vemo-nos pela vida... Há mil veredas pra te conhecer e te acompanhar.

Uma flor em seu cabelo e um beijo azul.