CARTA DE AMOR

CARTA DE AMOR

Pseudônimo: CAPITU

Paris - Padre Lachaise, 12 de junho de 1140.

Meu querido Abelardo

Hoje, Dia dos Namorados, não tenho versos nem metáforas ... Tenho lembranças, profundas lembranças ... Escrevo-te para recordarmos da estranha estrada que naquela noite nos levou para o amor. Não nos falamos, mas muito nos sentimos, não nos enganamos e muito nos dávamos no silêncio da entrega oculta, na dor do amor proibido. Cada segundo era muito importante, pois a despedida, sombra-mortal, sinistra, nos esperava.

Eu me extasiava só de olhar teus olhos. Tímida me calava para sentir teu corpo junto do meu. Desejava que o tempo parasse e me premiasse com a tua companhia. O vento manso soprava nos acariciando. Tentávamos pensar, falar, mas o espaço que nos separou levou-nos também as palavras e secou os nossos pensamentos deixando apenas que nos sentíssemos um ao outro. infinitamente ... Daria tudo para deitar ao relento, dormir teu sono, soluçar teus soluços chorar o mesmo pranto ou saborear a mesma gargalhada.

Alguém nos velava em silêncio para amenizar a dor da despedida naquela noite que nos cercava, fria e assustadora! Ali, entregávamos nossos fardos, nossas lutas, nossas amarguras, nosso cansaço. Eu me completava contigo na experiência de me fazer tua, de corpo e alma. Era preciso coragem para seguir os teus passos rumo ao desconhecido, pois a estrada era enganosa, sombria e duvidosa. Depois da curva, o que me esperaria? Astrolábius, nosso filho, um inocente que também pagou por nós as culpas impostas. Tomei tuas mãos e ensaiei a caminhada! Essa caminhada engasgada que

tinha dentro de mim e que só a ti pertencia. Tentei acompanhar teus passos, mas o caminho era curto e frustrada voltei ao ponto de partida, contemplando a paisagem que dormia na noite misteriosa. Desejava dizer-te grandes coisas... Contar da minha saudade, das minhas penas, da minha sensação de abandono e da tua ausência cruel.

Mas, se falasse, minhas emoções me trairiam e dos meus olhos lágrimas tristes fruiriam em abundância. Eu era a outra, na tua vida. Meu único desejo era ser acolhida por ti, a teu lado ter um rosto, sair do anonimato, do irreal para o real. Tirar a lenço que me cobria a face e sair sorrindo a teu lado na passarela da vida. Não queria mais a condição de amante escondida, humilhada, rejeitada. Queria ser vista, presente como parte tua. Não mais seria uma nota de rodapé, não percebida. Seria sim, um título chamativo de uma obra importante, que contaria a nossa história de amor, desde meninos.

Procurei as tuas mãos, busquei o teu olhar amigo, desejava os teus abraços que me amarravam nos teus laços. Confesso que queria morrer ali e que me fizesses a última carícia, para só depois, fechar as pálpebras, já sem vida ... Morrer sim, aos poucos, bem junto do teu coração, com o meu último olhar posto no teu. E, lá bem de longe, levar comigo o amor que cultivei por toda a vida, desde a minha juventude.

Que grande privilégio seria encher agora a alma inteira de alegria. Embriagar- me de ti e contar-te todos os meus segredos. Quanto sofrimento, o de esconder o próprio rosto!'! E o que me perguntarão? Importa? O que perguntarão se estamos na contramão? Diria serenamente que ninguém poderia silenciar meu coração.. A vida é teia de sentimentos maravilhosos onde nos prendemos à pessoa amada para sempre ...

Fiquei à tua espera no umbral da mesma janela da igreja. Foste como a ponte. Parada, serva, assistindo calada o passar do tempo ... Sejas como a água intrépida do rio que corre pelas pedras vencendo todos os obstáculos.

Nossas tumbas unidas perpetuaram o nosso amor proibido pela igreja e por Fulbert, rígido e severo para entender a grandeza dos nossos sentimentos. Sofremos as repressões da época. Choramos escondidos as mesmas lágrimas de sangue.

A morte nos uniu para sempre. Simbolizamos para a literatura universal as dores de uma união proibida. Ninguém mais pode nos apedrejar. Cristo certamente teria nos perdoado e não permitiria que nos atirassem a primeira pedra. Livres, somos livres. Na eternidade somos livres para sempre, como Romeu, como Julieta e como tantos outros que viveram e viverão ainda histórias como a nossa.

Tua Heloísa.

Amélia Luz
Enviado por Amélia Luz em 28/09/2022
Código do texto: T7616566
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