Coragem (Carta fechada aos meus amigos, solitários. Àqueles que decorrem na solidão seu estranhamento existencial.)

Olá, meu amigos!

Espero encontrá-los bem!

Foi buscando a temperança que entrei no despertar do meu caminho e, embora deserto, maravilhas encontrei...

Encontrei, entre tantas grandezas, o espanto e a coragem como um caminho à temperança, virtude necessária às minhas andanças pelo universo. Temperança!

E com muito afeto e coragem resolvi escrever esta carta, uma carta fechada, fechada aos solitários. Aos meus amigos solitários. Àqueles que decorrem na solidão seu estranhamento existencial...

Então, apesar de não tocar instrumento algum, mas vocês sabem o quanto sou apaixonado por música, começarei citando uma canção e citarei tantas outras no decorrer do texto, mencionarei também algumas poucas passagens literárias, por assim compreender que a arte exprime e representa o mundo e os indivíduos em uma realidade sensível e humanizada.

Nesse sentido, "o que pensar da vida e daqueles que sabemos que amamos? Quem pensa por si mesmo é livre, e ser livre é coisa muito séria. Não se pode fechar os olhos, não se pode olhar para trás, sem se aprender alguma coisa pro futuro. Corri pro esconderijo...

[...] Nada é fácil. Nada é certo. Não façamos do amor algo desonesto..."(Renato Russo; L'avventura).

Preciso ser fiel aos meus sentimentos e a forma como vejo o mundo. E claro, nossas relações estão atravessadas pela maneira como me localizo no mundo. Porque eu "trago em mim o germe, o início, a possibilidade para todas as capacidades e confirmações do mundo"(Thomas Mann).

Necessito está cada vez mais no meu esconderijo, para resolver, em mim, uma confusão com minha mãe e seu Clã. E embora envolva tantas pessoas, é um problema meu, eu sei, mas tive coragem de enfrentá-las.

Estou vivendo, nesse momento de minha vida, uma turbulência em minhas memórias. Para sanar estas questões preciso de um tempo para mim mesmo...

Me sinto injustiçado, sozinho, dilacerado. Fui o único que perdeu alguma coisa nessa história. Fiquei só, sem dinheiro, completamente fragmentado. O único prejudicado, em todas as esferas da minha vida.

E quando eu, embora não quisera , morri em setembro de 2021, "esperava ressuscitar e juntar os pedaços da minha cabeça. Um tempo depois um psiquiatra disse que eu forçasse a barra. E me esforçasse pra voltar à vida.

[...]

E fiquei quieto lambendo minha própria ferida. Sem saber se era crime ou castigo. E se havia outro cordão no meu umbigo. Pra de novo arrebentar. Pois eu fui puxado à ferro.

Arrancado do útero materno"(Marcelo Nova, Raul Seixas; Quando eu morri).

E aqui nesse cantinho tão ferido do meu ser, uma chuva miúda e contínua chega sem avisar, senti medo...

Olho por uma frecha e procuro abrigo, mas antes preciso recolher e costurar os cacos da minha existência.

Sinto ainda as noites silenciosas e infinitas me provocando e trazendo estranheza nesse percurso tão ácido. Noites longas em sua dor não mensurada, talvez inefável até, me traziam sonhos inquietantes. "Eu sentia tanto medo, só queria dormir cedo.

Pra noite passar depressa.

E não poder me agarrar.

Noites de garras de aço.

Me cortavam em mil pedaços.

E no outro dia eu tinha que me remendar.

[...] Eu me entorpeço e me esqueço.

De tudo que ainda não entendi" (Ibidem).

Vejo meus "inimigos" soltos, festejando suas paixões, e embora eu não queira, mas isso gera em mim revolta e tristeza. Porque, embora eu não tenha, nem pretendo ter, desconfio de uma verdade, e quão dolorosa é essa verdade. E nessa perspectiva, "eu sou um homem ridículo. Agora eles me chamam de louco. Isso seria uma promoção, se eu não continuasse sendo para eles tão ridículo quanto antes. Mas agora já nem me zango, agora todos eles são queridos para mim, e até quando riem de mim - aí e que são ainda mais queridos. Eu também riria junto - não de mim mesmo, mas por amá-los - se ao olhar para eles não ficasse tão triste. Triste pq eles não conhecem a verdade, e eu conheço a verdade. Ah, como é duro conhecer sozinho a verdade! Mas isso eles não vão entender. Não, não vão entender" "(Dostoiévski; O sonho de um homem ridículo; in. Contos reunidos)

É histórico e cultural em nossa sociedade que, quem luta por justiça se prejudica, ao passo que quem comete injustiça sai ileso de tudo, quase sempre é assim...

Mas "é melhor sofrer uma injustiça que praticá-la", Sócrates já nos apontava esse caminho, quando Platão, de forma profícua, traz seu pensamento no livro Fédon (a imortalidade da alma).

Mas me sinto feliz quando lembro que tenho amigos que tomaram partido, não por mim, mas pelo que se entende enquanto justo, de uma forma efetiva, palpável, objetiva e espontânea. Colocaram em prática o que se compreende e se reflete em ações que vão de encontro a este _modus operandi_

de vida tão alinhado às liberdades individuais, porém, tão distantes de relações saudáveis e honestas.

E não é fácil ir de encontro a esses valores quando estamos em uma sociedade tão cheia de indivíduos desejosos por injustiças.

A sensorialidade humana, juntamente com o pensamento, constrói o mundo objetivo, esse mundo tão nosso. E lutar por justiça, seja em qual estância que se localize a luta, não é simples, eu sei, mas é necessário. Ou estamos vivendo apenas na abstração de nossos valores? Nós também movemos o mundo, e não somente com ideias, mas também com nossos sentidos, sejam eles práticos ou "os sentidos espirituais"(Marx; Manuscritos econômico-filosóficos de 1844).

Mas não me cabe ajuizar a prática de nenhum de nós, não me cabe juízo de valor, apenas um juízo de fato sobre toda a generalidade do ocorrido, mas uma coisa é certa, "o tempo engana àqueles que pensam que sabem demais"(Nenhum de nós; Sobre o tempo).

Estou em um dilema e como todo dilema, preciso fazer escolhas...

Tomar decisões não é fácil, como sabem. Mas preciso buscar uma solução, não posso ficar apenas na sensação, dói mais ainda. Então, por mais que venha pesar e doer, por mais que eu fique sozinho, mas só já estou, serei um escudo para mim mesmo. Preciso me mobilizar e fortalecer o que sinto a respeito das nossas relações, da vida, do mundo e de algo imenso, porque eu sempre quis uma conexão maior com todos vocês...

Mas agora, "daqui desse momento, do meu olhar pra fora, o mundo é só miragem.

A sombra do futuro, a sobra do passado.

Assombram a paisagem

Quem vai virar o jogo e transformar a perda em nossa recompensa?

Quando eu olhar pro lado, eu quero estar cercado só de quem me interessa"(Lenine; É o que me interessa).

Por mais doloroso que seja, e já está sendo, necessito reafirmar o que sinto e penso para mim mesmo, apenas.

Tenho que ser fiel comigo mesmo, com os valores que carrego em minha alma. Porque nesse momento ela canta...

"A minha alma chorou, eu vi um sentimento indo embora. Até me faltou chão nessa hora. Eu não soube o que fazer. E nem tinha o que fazer.

[...]

Vai passar.

A nuvem que parou em minha vida vai passar"(Xan Falcão; Vai passar).

Hoje, a minha alma não somente canta, ela tbm dança em uma simetria orquestrada com uma sonoridade plena e acessível às "leis da beleza"(Marx; Manuscritos econômico-filosóficos de 1844).

Deixo aqui o convite para vocês ouvirem todas essas canções que me acompanharam nesses dias tão estranhos... Elas traduzem um pouco do que eu penso e sinto sobre a vida.

E aqui, nesse exato instante, lembro de um clássico da música chinesa, que se chama Só a lua , e podemos ouvi-la numa versão em língua portuguesa(Luana em Pequim), é linda. E assim como todas as outras músicas citadas aqui também, vale a pena ouvir...

Mas essa canção, além de ser muito bela em sua sonoridade, me faz pensar em todos os momentos da minha vida em que me dediquei a amar os meus amigos, e "você às vezes quer saber o que eu sinto aqui, no meu coração para te dizer", mas "só a lua vai medir. O meu amor não vai caber em nada que existir, só a lua para representar tudo que eu sinto enfim."

Mas essa canção parece não comportar mais os nossos dias.

Um ruído nas entrelinhas, um arranhão entre as linhas, entre os iguais...

Um estranhamento em minha existência.

Porque quando penso em nós lembro imediatamente o quanto é relevante saber quem somos um para o outro. E eu sei que, "quando as lágrimas estiverem em seus olhos. Eu enxugarei todas elas.

Estou ao seu lado. Quando os tempos se tornarem tempestuosos.

E os amigos não puderem ser encontrados.

Como uma ponte sobre águas turbulentas.

Eu me estenderei.

[...]

Quando você está pra baixo...

Quando você está nas ruas.

Quando a noite cair, de forma tão dura.

Eu te confortarei.

Eu assumirei sua parte.

Quando a escuridão vier.

E a dor estiver ao redor.

Sim, como uma ponte sobre águas turbulentas, eu me deitarei"(Elvis Presley; Ponte Sobre Águas Turbulentas).

Nesse sentido, como eu havia dito antes, preciso fazer escolhas, e elas estão em plena e profunda afinidade com a honestidade dos meus sentimentos. Vai ficar difícil, mas difícil já está. Vou apenas tornar a situação suportável para mim. Uma ponte necessária para percorrer esse ciclo intempestivo...

"E outra vez, já sei o que será de mim.

Sem parar eu tento resistir

[...]

Eu conheço o começo.

Reconheço o meu fim.

Sou um homem em volta do mundo.

Até voltar a mim"(Ritchie; Um homem em volta do mundo).

Cada dia que passa tento afastar essa persistente perturbação. Na mais profunda quietude do meu ser sinto que não quero mais nada disso, mais nenhuma dor. Sem nenhuma pressa eu paro, reflito e nada encontro além disso...Tento estancar a possibilidade de dor e procuro outras possibilidades, mas só encontro o indesejável, a dor e a indiferença, mesmo "sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa..."(Clarice Lispector; A nossa vitória de cada dia; In Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres).

Mas vou enfrentar com coragem, pq essa coragem que trago em mim, me fez chegar até aqui.

Ademais, convido-os também a ouvir uma canção que para mim foi um marco em minha vida, um divisor de águas, me fez pensar muito em todos nós e reforçou o que sinto, "isso tudo faz a criança que está aí dentro de vc e quer sair. Confie na sua força, no seu desejo e volte a sorrir. Sua coragem que muda tudo, faz de vc um ser profundo. Acredite, olhe para dentro, existe um movimento, precisa expandir. [...] E aí no seu coração, toda resposta do que tem que fazer. Tire todas as camadas que vc acreditava te proteger. Use seus versos, a sua vida, o seu corpo sagrado e resgate com atitude positiva a sua vontade de viver."(Casa Hairá; Quem foi que disse)

E eu preciso de noites com sol, mesmo que digam que "são milagres noites com sol, mas hoje eu sei, não são miragens, noites com sol"(Flávio Venturini; Noites com sol). Ainda que seja apenas dentro de mim, haverá noites com sol...

"Deixa o sol entrar, livre será se não te prendem..."

O medo que tive não calou minha alma, pelo contrário, deu asas a ela. Hoje já não tenho medo do novo...

Muitas das coisas em que eu acreditava morreram em mim, mas essa morte não findou os meus ouvidos e nem minha boca...

Não mais procuro fora o que está, ou sempre esteve, dentro de mim. Eu intento perscrutar um caminho que me leve para longe dessa estrada movimentada, para longe do barulho dos motores. Um caminho que impulsione o velho e o novo que habitam em mim...

Esperançoso fico, ao recordar que a minha expectativa é despertar um olhar profundo para mim mesmo ao escrever para vocês. E sem medo, fecho os olhos e sinto o que está por trás da escuridão deles. Busco e encontro beleza, vejo e sinto a alma do mundo.

Enfim, "que as palavras que eu falo, não sejam ouvidas como prece, nem repetidas com fervor. Apenas respeitadas, como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos.

[...]

Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.

E que essa tensão que me corrói por dentro, seja um dia recompensada.

[...]

Que o espelho reflita em meu rosto num doce sorriso

que eu me lembro ter dado na infância.

Pq metade de mim é a lembrança do que fui

a outra metade não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria

pra me fazer aquietar o espírito.

[...]

Porque metade de mim é abrigo,

mas a outra metade é cansaço"(Osvaldo Montenegro; Metade).

Tudo está em nós. Porque tudo passa por aqui!

Eu Sou o que Sou!

TPPA!

E só posso "trocar amor por amor, confiança por confiança etc"(Marx; Manuscritos econômico-filosóficos de 1844).

E hoje, como nos dizia Belchior, "veio o tempo negro e, à força fez comigo o mal que a força sempre faz. Não sou feliz, mas não sou mudo. Hoje eu canto muito mais".

Tenho andado muito confuso com minhas memórias e com todo o contexto que estou circunscrito...

E para não soar estranho minha posição enquanto indivíduo, enquanto amigo, enquanto Ser, preciso escrever para vocês.

E acredito que vale a pena dizer o que estou sentindo...eu necessito olhar para mim mesmo nesse momento de minha vida...

E eu não sei com exatidão o que estou sentindo plenamente em relação aos meus amigos. Eu gostaria de pensar melhor, até para a gente desenvolver conversas e afetos...

Nesse sentido, eu prefiro que as emoções que estão em mim se arrefeçam um pouco para que eu possa racionalizar melhor toda essa situação.

Preciso de um tempo para mim mesmo, mas não posso deixar que as emoções que estão dentro de mim sejam veladas por uma cortina de fumaça...

Não mesmo! Não posso mais permitir que nenhuma perspectiva amenize ou despiste meu entendimento sobre o que sinto em relação ao clã mencionado logo no início desta carta. Não posso mais permitir que nada me atente às ilusões.

Aprendi a lidar com o meu Quíron!

Escrevo para que vocês não fiquem sem nenhuma resposta, sem referências...

Sei que não atendemos às expectativas um do outro...

Mas é uma situação que eu ainda não sei lidar....

Amo cada um de vocês, cada um em sua singularidade. Mas agora, eu preciso de mim...

Um abraço na alma! Em breve nos reencontraremos...

Ricardo Leal (Ponta de Diamante)
Enviado por Ricardo Leal (Ponta de Diamante) em 23/09/2022
Reeditado em 07/10/2022
Código do texto: T7612925
Classificação de conteúdo: seguro
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