CARTA DE RUY BARBOSA.
PENA QUE O MITO NÃO SABE LER!
"Meu país conhece meu crédito político, porque meu crédito político está na minha vida inteira. Creio na liberdade onipotente, criadora das nações robustas; creio na lei, emanação dela, o seu órgão capital, a primeira de suas necessidades; creio que, neste regime, não há poderes soberanos, e soberano é só o direito, interpretado pelos tribunais; creio que a própria soberania popular necessita de limites, e que esses limites vêm a ser as suas Constituições, por ela mesma criadas, nas suas horas de inspiração jurídica, em garantia contra os seus impulsos de paixão desordenada; creio que a República decai, porque se deixou estragar confiando-se ao regime da força; creio que a Federação perecerá se continuar a não saber acatar e elevar a justiça; porque da justiça nasce a confiança, da confiança a tranquilidade, da tranquilidade o trabalho, do trabalho a produção, da produção o crédito, do crédito a opulência, da opulência a respeitabilidade, a duração, o vigor; creio no governo do povo pelo povo; creio, porém, que o governo do povo pelo povo tem a base da sua legitimidade na cultura da inteligência nacional pelo desenvolvimento nacional do ensino, para o qual as maiores liberalidades do tesouro constituíram sempre o mais reprodutivo emprego da riqueza pública; creio na tribuna sem fúrias e na imprensa sem restrições, porque creio no poder da razão e da verdade; creio na moderação e na tolerância, no progresso e na tradição, no respeito e na disciplina, na impotência fatal dos incopetentes e no valor insuprível das capacidades.
Rejeito as doutrinas do arbítrio, abomino as ditaduras de todo o gênero, militares ou científicas, coroadas ou populares; detesto os estados de sítio, as suspensões de garantias, as razões de Estado, as leis de salvação pública; odeio as combinações hipócritas do absolutismo dissimulado sob as formas democráticas e republicanas; oponho-me aos governos de seita, aos governos de facção, as governos de ignorância; e quando esta se traduz pela abolição geral das grandes instituições docentes, isto é, pela hostilidade radical à inteligência do País nos focos mais altos de sua cultura, a estúpida selvageria dessa fórmula administrativa impressiona-me como o bramir de um oceano de barbaria ameaçando as fronteiras de nossa nacionalidade".
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Esta carta, Ruy Barbosa dirige a um seu adversário ferrenho, Cézar Zama. Leu-a em discurso, sumamente democrático, proferido em 13 de outubro de 1896. Nela, Ruy Barbosa confirma sua enérgica oposição a questões como a Guerra de Canudos, o encilhamento* e o voto censitário**.
(*) Encilhamento: modo de atacar a sela em um cavalo. Metáfora utilizada por Ruy Babosa para caracterizar o desprezo da mão de obra dos ex-escravos, dando-se preferência ao pagamento de salários (e outras vantagens) à mão de obra dos imigrantes europeus.
(**) Voto censitário: diferentemente do voto universal (a partir dos 16 anos todos votam), voto censitário se dá (de forma indireta) quando apenas alguns eleitores escolhidos decidem uma eleição: à época, só votavam aqueles que comprovassem propriedade de terra.
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O poder econômico acaba de declarar amparo financeiro ao golpe de Bolsonaro, caso seu opositor mais destacado nas pesquisas eleitorais venha a ganhar as eleições.
Nada mudou.