Querida Euzinha, da Coletânia do livro "A Carta que não Escrevi" Editora Azul Planeta
Querida Euzinha:
Há muito que estou para escrever esta carta, mas, como tudo na vida, é preciso esperar o momento certo. Ou pelo menos o que achamos ser certo.
Não são queixas, apenas esclarecimentos a muitas dúvidas acumuladas durante uma vida, que ficaram sem respostas. Também quero aproveitar para pedir desculpas por não ter percebido os problemas, muitas vezes vindo de fora, outras vezes criados por mim, que na época poderiam ter sido evitados e hoje perderam a força, apesar de ter deixado algumas sequelas. Se me calei diante de determinada situação foi pensando no melhor para todos. E, com certeza, não fui eu a mais beneficiada com essa atitude. Digo isto porque o altruísmo foi a minha melhor e pior qualidade. Nem sempre agimos corretamente quando, em determinados momentos, pensamos mais nos outros que em nós próprios. Um conselho muitas vezes é mal interpretado, principalmente se for recheado de palavras duras. Ás vezes prejudicamos quem pensamos estar ajudando. Outras vezes somos nós que perdemos. Mas como saber se determinada atitude está certa ou errada diante de uma situação emergencial? Acostumei-me a retirar as pedras do caminho antes do tropeço, mas há momentos que nos jogam pedras difíceis de serem removidas. Pedras que endurecem até as lágrimas e nos fazem parecer duras também. Por isso peço desculpas a quem não me fiz entender, nesta minha jornada de convívio existencial. Tenho plena consciência de que as minhas intenções sempre foram as melhores possíveis, porque todas elas tinham como combustível o amor ao próximo. A capacidade de me colocar no lugar do outro e sentir sua dor foi o que me norteou. Nem sempre pude fazer tudo, mas dei o melhor de mim. E o que mais me orgulha foi ter livrado de sofrimentos pessoas indefesas, que sem meu olhar generoso, meu amor e minha orientação com certeza não teriam hoje a vida digna e a alegria que proporcionei. Não guardo mágoas porque sempre soube me colocar alguns degraus acima delas. Principalmente das palavras ditas em momentos de descontroles. Sendo assim é de se esperar que eu não tenha sentimento de culpas. Mas quando me pergunto se poderia ter feito mais, sempre fico na dúvida. Hoje talvez pudesse, mas na época acredito que não. O que hoje me entristece é saber que alguém muito querido sofreu ou sofre porque nada, além das minhas posses, pude fazer. Sei que não sou a melhor pessoa do mundo mas, com certeza, sou a que tira de si o que tem de mais humano. Escrevo esta carta para que eu própria não tenha dúvida a respeito do meu caráter, já que muitas vezes cometemos erros levados por sentimentos de raiva ou decepção em relação a certas atitudes vindas de onde menos se espera. Deixei escapar muita coisa que poderia me fazer mais feliz e me aborreci desnecessariamente com coisas que hoje não valorizo. Quando temos um longo caminho pela frente vamos adiando planos e atitudes, mas quando vislumbramos o final da pista adiante, temos que nos apressar nas ações antes de acionar o trem de pouso, a fim de que a viagem termine bem. Assim espero.
Darcy Brito