NINGUÉM É UMA ILHA

“----- Original Message -----

From: "Recanto das Letras" <recantodasletras@recantodasletras.com.br>

To: "Joaquim Moncks" <joaquimmoncks@brturbo.com.br>

Sent: Monday, November 26, 2007 12:07 PM

Subject: Contato de visitante

Assunto: meu conto/crônica

Nome: Maria

E-mail: mariaairam@oi.com.br

Mensagem:

Obrigada Joaquim. Meu marido já tinha brigado comigo que isso não era um conto e sim uma crônica. Mas bati o pé até cansar. Capitulei diante de teu comentário. Já mudei a categoria. Como vês, não entendo mesmo nada de literatura, não sei nem classificar meus textos. Mas sei escrever o que penso e sinto.

Será que isso vale?

Abraços. Maria”.

Querida autora e primorosa leitora!

Não tens a obrigação intelectual de saberes classificar os teus textos, o importante é que eles sejam lavrados, saiam da cachola. O tempo e a reiterada experimentação e mais algum estudo te darão pistas para o futuro. Mas é necessário estar atenta também a isto: como ninguém é uma ilha, é bom ouvir os colegas escribas, conversar com eles, dialogar.

Neste Recanto das Letras aparece, nas dicas do administrador, como bem o sabes, algumas orientações para a classificação e subclassificação de textos a serem publicados nele. São notas fáceis de serem assimiladas pelos autores novos e novatos. É assunto que merece atenção e algum tempo...

Ah, que bom que tens um “maridão” que gosta de ler os teus textos! Isto é muito bom que ocorra dentro de casa, se bem que os “afetos” são péssimos críticos, principalmente em Poesia, porque tendem a não querer se incomodar com as pessoas com quem convivem. Para eles, pai, mãe, amado(s), tudo está sempre muito bonito... Esta é a regra!

Mas o autoritarismo do autor, assentado na auto-estima e ânsia de reconhecimento, cria alguns problemas.

Ainda mais que há rememorações de fatos subjacentes ao texto, em poesia, mercê do uso de metáforas, que remetem a situações afetivas que podem levar a possível cena de ciúmes e vir a produzir algum mal estar entre parceiros de afeição.

Grato por haveres levado em conta os meus ‘comentários’. Literatura é ato solidarista, antes de tudo. Somente os personagens e subjetivismos é que são nossos!

Cada vez mais me convenço de que não há novidade em criar e nem é de todo do autor o que vem ao papel ou ao monitor do PC, na contemporaneidade. Tudo é apenas intertexto, que é este ruminar do lido, ouvido, aprendido. Enfim, a confluência dos rios do viver.

É bem verdade que o ato embrionário do criar, a escritura resultante da chamada “inspiração” (que é fundamentalmente fruto da sensibilidade e da emoção) é um ato eminentemente solitário, pessoalíssimo. Mas este, no meu sentir, é apenas o primeiro momento da criação literária. Neste o texto está apenas sendo esboçado, ainda não está pronto e acabado como produto final.

Em regra se apresenta cada vez maior, mais incisiva, a possessão sobre a coisa “aparentemente criada” quanto menos versado intelectualmente e/ou inexperiente for o seu autor.

É de todo aconselhável examinar com acuidade a matéria ardente recém-saída do forno, num segundo momento de criação, o da “transpiração”. Enquanto não chegar o criador literário a este novo momento, em que prevalece a intelecção, a lavratura será apenas a de um confidencialista.

Enquanto o texto não passar pela intelecção – para forjar a auto-crítica sobre a forma e a mensagem criada – texto e autor são apenas embrionários. Nesta fase inicial da criação experimental em Poesia, o criador é muito mais parapsicólogo em formação do que literato.

De onde vem esta teimosia confessa, desbragada, quase sempre presente no iniciante em Letras? Por certo está no subjetivismo fruto da possessão. A trava maior para o crescimento pessoal é a de se imaginar dono do texto, seu senhorio desde o primeiro instante até o abrir-se a porta aos leitores. E é a publicação do texto que equivale a esta metáfora do "abrir a porta"...

Até se pode tolerar a paixão possessa pelo texto enquanto ele está manuscrito ou ainda nos domínios de seu criador, fruto da compulsão do criar. Mas, depois de nascido e visto pelos outros, ele é dos domínios do real...

Vida longa aos condenados a pensar! Que haja muitos olhos para as suas crias. Que elas botem a boca no mundo...

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006 / 2007.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/754064