uma carta a ti
Lembro-me perfeitamente de quando tu escrevias cartas. Parece que foi na estação passada, quando lhe via sentada no anfiteatro na hora do almoço. Eram longas cartas escritas por ti sob as linhas tortas, as letras apaixonadas, as palavras intensas e um conteúdo tão frágil. Tão frágil ao ponto de ser doentio às vezes que eu lia aquilo. Preocupava-me com a tua dor e com a tua delícia de querer ser amada e, ao mesmo tempo, amante. Tu escrevias tudo à caneta azul para ser delicada e oculta diante de ti e dos outros. Na primeira lágrima escorrida, tu passaste a escrever à caneta vermelha, um dia parecia forte e viva e noutro dia turva, quase imperceptível. Tu ainda tentaste voltar a azul, mas a tinta acabou e continuaste na vermelha. Numa época, cheguei a jurar que as tuas cartas seriam um diário amoroso, desse em que só a corte poderia tocar-lhe. No sol da última estação, as tuas cartas passaram a ser semanais; no outono, quinzenal; no inverno, mensal; na primavera, bem… não se sabia nem quando chegavam. As tuas linhas continuam tortas, mas as tuas letras apaixonadas, as tuas palavras intensas e o teu conteúdo tão frágil tornaram-se lacónicas e, agora, só à caneta preta. Neste verão, nunca mais havia de ter lido uma carta tua sob a minha mesa de madeira do antigo gabinete de casa. Eu senti a tua falta e por bem achei melhor escrever-lhe. E tu não precisas responder-me, pois, sei bem como tu tens sido ocupada com as tuas obrigações do quotidiano. Apenas passei para dizer-lhe que tu escreves bem e que não devas-lhe esquecer disto.