À minha querida mãe
À minha querida mãe.
Oi minha mãe! A bênção!
Eu devia ter lhe pedido mais sua bênção enquanto tive tempo, quem sabe, abençoada, tudo teria sido diferente. Esse é só mais um de meus inúmeros arrependimentos.
Um dia a senhora me disse que a vida era feita de escolhas, e, que tais escolhas nos levariam a caminhos bons ou ruins. Isso dependeria das escolhas que fizéssemos. Eu escolhi mal, mãe. Sou ciente disso e não culpo ninguém além de mim mesma. Perdão!
Escolhi os amigos, quando a senhora disse que não serviam, mas os escolhi. Escolhi sair quando a senhora disse para eu ficar em casa. Muitas vezes saí escondida pulando a janela na madrugada! Me afastei dos familiares e perdi o interesse pelos estudos.
A escolha foi minha! Assim como a curiosidade era minha e experimentar também foi minha escolha; não adianta dizer que “foi má influência” ou “má companhia”, eu podia ter dito não, mas disse sim. Fui uma egoísta e fraca acreditando ser forte; independente tornando-me dependente. Uma idiota, agora sei!
Aquilo era uma passagem só de ida no trem da ilusão. E iludida, embarquei. A estação de saída era um paraíso; a de chegada, um inferno.
Sinto frio, é escuro. Engraçado, pela descrição que faziam, pensei que seria quente e iluminado. Aqui é muito frio e tão escuro que não consigo ver minha própria mão à frente do meu rosto. Ouço gritos, lamentos, pessoas chorando, pedidos de socorro. Sinto medo!
“Experimenta aí, deixa de ser besta, tu vai gostar” “Fhuuuu! Essa fumaça dá uma viagem muito looouca!”
Não te ouvi mãe, embarquei com “meus amigos”. Disseram que era bom! E no começo era, pois aquela fumaça apagou todos os meus problemas, minhas frustrações, meus medos. Senti-me poderosa, destemida, invencível. Com o tempo não senti mais o efeito do início, precisava sempre de mais. Depois que passava o efeito, me sentia um lixo humano. Em raros momentos de consciência nos chamávamos de “almas sebosas” ou “sem almas”. Coisas desse tipo! E o arrependimento vinha como uma avalanche de rochas com espinhos, que perfuravam não a carne, mas a própria alma.
Que frio mãe! Lembrei-me de quando eu era criança e gostava de ficar no teu colo quentinho e aconchegante! Protegida! Não neste frio que faz doer os ossos e resseca a boca. Tenho cede, tenho fome!
Oh minha mãe, no decorrer da viagem as coisas começaram a mudar. Não era mais minha vontade, era a vontade dela. Em busca de liberdade e de me enturmar, perdia a liberdade que tinha. A liberdade de decidir, pois ela passou a decidir por mim. Passou a ditar meus horários e minhas prioridades. Tomou as rédeas de minha vida. Se é que posso chamar isto de vida!
Queria um abraço teu! Ouvir de você aquele te amo. Sentir novamente teu calor pois só o que sinto agora é solidão, desespero, frio. Muito frio! Me tira daqui minha mãe!
Eita! quando eu lembro daquele teu arroz com feijão, cuxá, tapiaca bem fritinha e molho. Ah, só de pensar já fico com vontade. Na verdade estou com fome, cede e frio, muito frio. E os gritos incomodam muito, mãe.
Enquanto estava lá virei uma escrava, dependente daquela sensação. E tudo que eu queria era sentir mais uma vez. Só mais uma vez, sem pensar no futuro. Eu só pensava na “pedra”. Na maldita “pedra”, naquele fogo azul, naquele barulhinho de algo quebrando, naquela fumaça que eu sugava e que me sugava de volta. E para saciar esse desejo fiz de tudo mãe: furtei, roubei, menti, me prostitui. Isso mesmo, eu vendi meu corpo por uns trocados, por mais uma “pedra” ou por algumas tragadas. Nem me preocupava e acabei engravidando duas vezes! Fiz dois abortos. Dois netos ou netas, sei lá mãe! Me desculpa!
Estou caminhando há um tempão. Não sei de onde e nem para aonde, apenas caminho. Não vejo o chão, mas é como se eu estivesse andando na lama! Fede a esgoto e sangue podre. Esse fedor está em mim. Em todo o meu corpo. Até minha alma fede!
Socorro mãe, vem me buscar!