A ÚLTIMA CHAGA – Epílogo

O tempo chega rasgando os meus dias e a meu parecer, com a intenção de que um mínimo de rabisco saia de minhas mãos, para que se molde ao menos um rascunho acerca deste pós-desfecho. Momento este que desejo intitular de “Desintoxicação”. Nada mais é e nem será como antes... Isso é bom ou é ruim? É disso que estou falando e é sobre isso que desejo escrever.

Até dois anos atrás eu discorria sobre mim e outros assuntos com incrível facilidade. Se o vento da tempestade deixava o mar agitado e balançava o barco, eu narrava o desbravamento. E, ao contrário, se a brisa pousava no lago, eu cantava a calmaria. Diferente desses dias, nos quais, no barco ou no lago eu embargo a voz. Desejo profundamente que nada volte a ser como antes, e que tudo o que vir, seja ainda melhor do que tem sido.

Qualquer coisa que é lançada, quer seja uma simples semente, um novo pensamento ou informação, se faz necessário um prazo, um tempo para o assentamento de todas estas coisas. Sementes em demasia num curto espaço de terra, gera atrofia no que for vir a germinar. Se germinar... De igual forma, bombardeios de pensamentos e informações mal acomodadas na mente, morrem em sua maioria no campo das ideias.

Passei por muitas coisas em um curto espaço de tempo ao longo dos últimos dez anos. Estas chagas de vinte capítulos têm como início da narrativa, nada mais e nada menos que o ano 2015. Me propus a executar esta árdua tarefa de reduzir sete anos em um ano e quatro meses. Quando iniciei, estipulei um prazo de no máximo seis meses para terminar. Contudo, uma enxurrada de sementes que me fizeram protelar por mais seis meses, onde me dei um novo prazo que seria de um ano. Após tantas reviravoltas e revoltas, eis que finalmente, um ano e quatro meses após “O PRINCÍPIO DAS DORES”, venho estancar todos os sangramentos.

Muitos foram os dias em que a vida ou a minha consciência, me cobravam sobre a importância de vir aqui e chumbar de vez por todas este ciclo. Visto que estava praticamente de forma prejudicial, se enroscando com o meu atual. Não dá para desenvolver um presente de forma saudável, com uma mente assombrada por fantasmas do passado. É basicamente o mesmo que misturar água doce com salgada e depois beber. Justamente por ser sabedora de que o meu presente é um somatório de todos os meus “ontem”, que travo uma batalha interna e externa, para que o meu futuro seja puro fruto da minha essência e não aparência. E nisto consiste o conflito, uma vez que, é a aparência que o mundo aclama e o ego pede.

Por sofrer incontáveis influências nocivas em longo prazo, meu corpo e mente, está passando por um processo de desintoxicação, expurgação e adaptação ao mesmo tempo. Por mais que eu mantenha a esperança e a confiança de que está tudo bem, é durante o meu sono que minha mente exorciza as figuras que tanto me oprimiram. E desta forma, os constantes sonhos acabam por virar em pesadelos frequentes.

Ao longo destes três meses que me mudei, eram bem mais frequentes, sendo praticamente todos os dias. Hoje já existe um intervalo maior, mas ainda assim, incomodam o suficiente a ponto me deixar fadigada. Evito ao máximo o contato com os meus padrinhos, quer seja por vídeo, quer seja por texto. Normalmente eles protagonizam os meus pesadelos, juntamente com a minha irmã. Tenho pretensão de no futuro, escrever algo de valor não apenas acerca de relacionamentos amorosos abusivos, mas também sobre relacionamentos familiares tóxicos e narcisistas.

Eu tenho uma rede de balanço e sobre ela existe uma varanda. À princípio, a ideia era a de encerrar esta chaga, sentada nela. O ar da noite e o da manhã é fresco e é acompanhado pelos cantos dos pássaros, os quais, nem preciso mencionar que adoro. Agora mesmo eles cantam, contudo, estou escrevendo do meu quarto. Sim, José me privilegiou com um quarto onde posso ficar comigo mesma e me reenergizar em momentos que requerem uma certa solitude. Ele também sente essa necessidade por tudo que já passou e fica no nosso de casal.

Quanto ao antigo quarto escuro que nem gosto de mencionar de meu, não sinto a mínima falta. Aqui mantenho a janela fechada durante o período da tarde por conta do calor, mas nem se compara. Não há cortina e tão pouco blackout. O vidro fumê corta a luz, proporcionando um ambiente aconchegante no que diz respeito a iluminação e a temperatura. E por falar em quartos, não poderia deixar de mencionar o meu filho, que também tem o dele próprio, no qual permite que ele exerça a sua privacidade.

Ele completou doze anos. De fato é o filho que pedi a Deus. Assim como eu, ele ainda sofre com os resquícios oriundos da convivência com os avós. Voltou a estudar presencialmente e ele diz estar gostando da nova vida.

Nesta semana eu entrei na academia, sei que demorei um pouco, mas o importante é que consegui colocar em prática mais um objetivo entre tantos outros. Primeiramente, eu estava avaliando o bairro e cogitando a ideia de dar continuidade às caminhadas que fazia no Rio. Mas, aqui o trânsito é intenso e tenso em qualquer lugar da cidade, fato este que me fez optar pela academia. Estava um pouco resistente por conta do uso obrigatório de máscara, mas para este caso, também já foi dada uma solução.

Agora preciso focar na minha saúde, vida profissional e dar continuidade ao que nunca deveria ter sido interrompido. Contudo, as pausas são necessárias nas partituras a fim de que haja harmonia nas canções. Estou juntando constantemente os meus pedaços resilientes para dar luz a minha essência. Mais essência, mais presença e menos aparência...

Hoje nós três conseguimos viver em paz entre nós porque já travamos as nossas próprias guerras internas. Tudo isso se deu início com o sonho da casinha branca e quem acompanhou sabe. Inclusive, deixo o meu agradecimento aos leitores e espero em breve, lapidar este material bruto para que sirva de orientação, informação e principalmente, de alento às pessoas que passam por situações semelhantes às que passei.

Um dia que se tornou em anos, eu sonhei um sonho cor de rosa com um fundo verde, contendo uma casinha branca só para ver o sol nascer. A realidade engoliu o sonho por diversas vezes. Realizei o sonho de maneiras deficientes. Quando tive a casa, não tive o sol. Quando tive o sol, não tive a casa. Quando tive ambos, a casa e o sol, não tive as cores. De um jeito ou de outro, vivi o sonho e hoje estou lúcida para viver a minha essência. Continuarei escrevendo e desabafando neste renomado site, no qual tive o prazer de conhecer em 2008, mas em tempo, as chagas terminam aqui.