A casinha de dois passos ( parte 7 )

A " casinha de dois passos " 7

--- É sábado de manhã, estou em casa de Eulália. Ouço atenciosamente suas falas de recordações. Tudo ali se harmoniza e mantém um ar de encantadores e marcantes momentos. Naquela manhã de um preguiçoso sol, exceto a ausência de Olavo, nada mudou.

--- À sala , a caixa que me causou encanto quando Olavo revelou o conteúdo no natal. Deve ter sido marcante aquele momento do passado para aquela caixa estar ali na sala. Estamos em Maio e, Eulália abriu a caixa de enfeites de natal. Ali, as bolas natalinas de vidro, ainda, fazem as mesmas caras refletidas e relembram, conduzem aos mais deliciosos momentos que marcam para toda a vida- o natal de uma infância. Por mais humilde que seja um natal, ele é para sempre. Uma árvore com pipocas coladas para parecer neve traz muitas recordações. Como esquecer os momentos de tentação de sempre comer as pipocas quando ninguém estava por perto?

--- A casa de Eulália é um lugar assim, uma caixinha de surpresas, como um remontar de recordações. Do quarto, inundando a casa, vem o som da caixinha de música que se fazia repetir sempre que parava. " - Pobre bailarina - " pensei - " deve estar tonta de tantos giros" .

--- Acho que já sei onde passarei o natal esse ano . Seria bem conveniente reunir Eulália , Carlos Augusto o vizinho que mora de frente e eu. Uma vez que estarei sozinho ao fim do ano, seria uma boa. Eulália está sensível, seria bom um natal entre nós. O álbum de fotos em suas mãos dizem isso. Certamente o brilho em seus olhos refletem sua alma ,precisa de companhia. A mesma batinha sobre vestido florido faz de Eulália a mais rica em esplendor nas proximidades.

--A água ferveu, lá vai ela preparar o café. A forma peculiar que temos em comum, se repete, acaba de escaldar talheres e xícaras para servir o café. A garrafa vermelha recebe um banho fervente que sobe-lhe o vapor a perder-se entre os raios de sol que aventuram-se à janela. Todo o cenário, singelo e bucólico do lugar remonta as doces recordações. Ali estão os novelos , não faltou o bolo de milho, as bolachas ... Ah! As bolachas que Olavo brincava fingindo confundir a expressão. Tudo , tudo é uma remontagem, uma volta ao tempo. "

" - Este momento ... " - pensei em reflexão de escapada voz .

" - O que tem " - quis saber Eulália - .

"- É um dés jà vu" , diria uma amiga. " .

Eulália sorri. Realmente , exceto pela ausência de Olavo, tudo mais era uma volta ao tempo, um reviver de momentos.

--- Neste dia ao me receber à porta, Eulália, num leve sorrir, me diz:

" - Olá , cara estranho ! " .

Fiquei surpreso com a descrição, sorri sem entender e, ela indo direto ao assunto, disse que Carlos Augusto contou-lhe o enredo da rodoviária. Eulália parecia vibrar pelo ocorrido. Deixar as malas do lado de fora, não ligar o ar, e fazer o sobrinho de Carlos Augusto sair para pô-las ao bagageiro, aquilo parecia produzir nela um certo gosto. Gostou muito por deixar que ele as carregasse para dentro de casa. " Cara estranho " foi como o sobrinho de Carlos Augusto me definiu , mas isso é assunto para outra história.

--- Eulália pôs o café e a mesma classe com que segura a xícara, permanece. Ainda me encanta aquele dedo mindinho esticado que me faz sorrir de canto de lábios. A toalha branquíssima reflete a claridade que entra pela janela.

--- " - Hoje o pardal não apareceu " - disse ela em tom preocupado. " - O ventilador ainda está funcionando. " - diz ela . " - Carlos Augusto gostou da forma que procedeu com o sobrinho dele." " - Precisa criar juízo. "

--Eulalia vai falando coisas emendadas uma na outra. Não sei ,mas parece mais querer preencher os pensamentos do que querer comunicar-se. Enquanto isso, passava páginas do álbum parece querer entrar nele e, viver lá. Admirava as fotos como se fosse a primeira vez que as visse. Acho que ela quer falar , falar, falar e, prontamente me coloco a ouvir, ouvir, ouvir.

--Ela quer lavar a cortina da sala e, enquanto troco a cortina, posso ver que ela vai à cozinha. Certamente está preocupada com o pequeno pardal que não apareceu. Talvez a entrada do inverno mude o ritmo das aves . Quantas coisas mudam em nossa vida. Às vezes de um para outro instante o que é já não é mais. Ela estica-se a olhar ao lado de fora pela janela, seus finíssimos cabelos brancos reluzem ao brilho do sol como de todas as outras vezes. De volta à sala, Eulália vem atender minha dúvida sobre a cortina. Um pouco maior que a anterior , Eulália, com toda presteza , corrige com um simples toque de classe.

--A casinha de dois passos era pequena e, agora, parece enorme pela ausência de Olavo.. Eulália põe a mão nos lábios, tem o álbum diante de si. Há uma ambiguidade em seus olhos e, na dicotomia, um sorriso faz desmanchar os olhos. Ao mostrar-me a foto, lá está Olavo com um capacete que engolia-lhe a cabeça. Realmente era de fazer rir e emocionar. Desci da escada e pus a mão ao ombro de Eulália. Não sou muito bom para confortar. Não sei agir nessas horas. Me sinto um espantalho.. Em todo momento, a qualquer recordação, nada passava sem citar Olavo. A alfazema estava no ar.

Ao fim daquela manhã , Eulália ,pôs-me a levar a metade do bolo de milho. Saímos à porta e, lá está Carlos Augusto, à janela, acenando e sorrindo para nós.

EjanuarioN
Enviado por EjanuarioN em 28/02/2022
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