A casinha de dois passos ( parte 6 )

A casinha de dois passos capitulo 6

Já é fim dos trabalhos na " casinha de dois passos ". A sensação é de ponte interrompida. A vida é assim, cíclica.

--- É amanhecer. Mais uma vez me dirijo à casinha do casal Eulália e Olavo, as duas figuras mais encantadoras que, até então, conheci. Eu diria que o casal são personagens saídas de algum livro. Eulália e Olavo vieram brindar a vida.

--- A casinha de dois passos, a última daquela instância, tem muita vida para se contar. A casinha em si parece, mesmo, preparada para um enredo. Qualquer lugar, com um pingo de imaginação que seja, pode se transformar no que um sonho sonhar.

À chegada, aquela parede rochosa onde a casinha se acomoda aos pés, é mesmo uma sólida sedução de encantos. Uma fortaleza, muros daquele pequeno castelo. O tom escuro das misturas de musgos, gramineas , avencas e carramanchões que recobrem a rochosa parede e estendem- se ao telhado, dão um ar de histórias e contos. Sinto-me privilegiado por ser parte da historia que ali se conta.

Sinto uma certa tristeza por chegar ao fim dos trabalhos. Eulália e Olavo são aquelas pessoas quais nunca se quer perder de vista. Sempre estarão presentes em minha memória, seja nas charadas, fumaças de cafés quentinhos, os belos pedaços de sabores bolos de milho , as brincadeiras entre eles dois, na canção da bailarina, o cheiro da alfazema rivalizando com o café, tudo de ali tornou-se parte da historia e sempre estarão. A casinha de dois passo ", ela é o momento de cada um que se aventure a contagiar-se de imaginação. Alguém que, agora, esteja onde e como estiver de posse desta leitura, pode ser que se identifique numa ou noutra coisa.

Ainda sinto o delicioso gosto das rabanadas de natal.

Respiro fundo ao entrar ao corredor de casas , meus passos são lentos, provavelmente, não quero chegar logo para que não se acabe um dos melhores momentos da minha vida. Enquanto vou, observo o percurso. Na casa da roseira, ela está triste, não há rosas. Galhos secos e tristes não sabem florir . A casa está vazia ,ninguém a cuidou. É um momento triste, lembrei-das minhas roseiras de que me desfiz. Sigo, ainda , observando o mosaico que os matos perfazem às pedras em toda extensão. Não consigo levantar meus olhos, estão úmidos de conturbações.

É final da manhã de domingo. Eulalia, sai à varanda. Está usando os frisos de borboletas e, ela não está só. Carlos Augusto em sua cadeira de rodas e alguns vizinhos parecem querer preencher vazios. Aquela casa nunca esteve vazia . A alegria contagiante de Olavo , a singeleza e doçura de Eulália sempre fizeram dali a casa mais cheia de vida que se possa conhecer. Mesmo ao fundo, a última bem ao paredão rochoso ,sempre se notabilizou como a mais aconchegante do lugar. Eulália me vê ao longe , está vaga.

Amparada, me aguarda à porta. Indo ao seu encontro , seus olhos estão

úmidos . Nunca vi Eulália assim. Os frisos aos cabelos , apesar do sol, não tem mais o mesmo brilho.

--- Após terminada a cozinha , por alguns dias fiquei sem contato. Ao retornar à casa fiquei ciente dos detalhes da razão das lágrimas de Eulália.

Olavo, naquela manhã, levantou-se bem cedo, leu trechos da bíblia. Num pedido inusitado para aquele dia, solicitou que Eulália pusesse os frisos. Colocou as marcantes músicas de suas épocas e, mais uma vez dançaram recordações. O quanto viajaram? O quanto sentiram? O que cada um transmitiu em profundos e reflexivos olhares? Como vou saber o que só a eternidade pode conter? Como é ambígua a situação em que muito se é feliz ao amar. A mesma proporção de felicidade em vida, é a de tristeza em inevitável separação pela morte.

--- " I can dream can't`l ? " .Sim na " casinha de dois passos " , é posssivel sonhar. Esta, a última que tocou,, talvez, pela ultima vez se ouvisse por ali a sua melodia. Olavo, soltando-se de Eulália, mansamente acomodou-se ao sofá e, como preparando-se para dormir o mais profundo dos sonhos, tendo aos seus olhos a mais linda visão que o acompanhou - Eulália em suave vestido de seda azul- partiu para longe do amor de sua vida.

--- Os raios de sol deste final de manhã de domingo , por mais que brilhem, não

conseguem reproduzir à face de Eulália o mesmo encanto de outras manhãs.

Um pequeno pássaro pousa à mini roseira. A garrafa vermelha de café está à mesa. Os bolos à mesa não são de Eulália , certamente, os vizinhos trouxeram. Naquela mesa , o bordado de patinhos sempre me levarão a viver aquele momento campestre e ao primeiro dia que estive ali. Nele, certamente, Eulália quis desenhar a infância que teve. Quanto é dolorido trazer recordações , o saudosismo dói. Toda linha do tempo, as peças que iam se encaixando até ali, tudo umedecia o sentimento e fazia brotar o orvalho dos olhos. E, como é bom fazer isso. Guardar na memória tudo que nos fez feliz.

Lembranças infantis, meus pensamentos tornaram-se confusos. Lembrei-me de um trabalho escolar em que a maquete levava terra e plantinhas de verdade, nela, um barquinho corria o rio ao centro da vegetação. Estranho pensar nisso em tal hora.

--Como é bom recordar coisas boas. Lembrar Olavo com sua gravata e calça risca de giz dançando descalço à sala da casa com o amor de sua vida. As charadas.... Será que ele

conseguiu desvendar a última? ( depois Eulália me disse a resposta que ele deu da última que deixei. Disse ela que ele sorriu e disse : " muito esperto " . E , ele acertou em cheio a charada última que deixei. Lembrarei de suas cantarolas de natal enquanto

ajeitava bolas de vidro de antigos natais..As brincadeiras à mesa com as quais fazia Eulália brilhar em sorrisos, jamais serão esquecidas.

Ele segurava as linhas enquanto olhava Eulália entre as mãos. Quem vai segurar a linha para ela, agora? Serão poucas as recordações que terei mas, as melhores.

Aquela batinha preta recobrindo o suave vestido azul de Eulália, diz muito o que é uma separação. Será que pôs o vestidinho de seda azul, o traje oficial do espetáculo de dança naquele dia marcante na ilusão de ter o direito de uma valsa a mais?

Toda separação é uma mão que esmaga ao peito o coração. A casinha de dois passos ficou maior . Aos domingos

, a alfazema não rivaliza mais com o café.

EjanuarioN
Enviado por EjanuarioN em 27/02/2022
Código do texto: T7461495
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.