A casinha de dois passos ( parte 4 )

A casinha de " dois passos " parte 4

--- Sinuosa a ladeira de acesso à entrada da rua que esconde a casinha de " dois passos ". Algumas árvores me trazem

recordações dos balanços aos ramos que lhe pendem. Ali, uma grossa amendoeira de fruto roxo, parece centenária, ao menos duas pessoas seriam necessárias para

contorná-la num abraço.

À entrada da pequena ruazinha lê-se a placa " rua sem saída " . Sempre que passo por uma placa dessa, discordo dizendo: " por que não se sai por onde se entrou? " . Não acredito que alguém que entre numa rua assim, fique lá para sempre. Basta fazer como eu faço e, saia por onde entrou. Se fosse como a placa diz, já não se poderia nem entrar por conta da multidão que, sem saída, ficaria presa nela.

--A pequena rua acomoda singelas casas, algumas ainda ostentam bandeirinhas do 7 de setembro. Com varandas que colorem-se de onze horas, samambaias, uma roseira aqui , outra ali - minha especialidade - , torna o lugar mais encantador. Um lindo tapete de trapoerabas, azulzinho, azulzinho, descendo o paredão rochoso, me dá certeza de encantador lugar. Umas das casas, até ensaia um caramanchão de maracujá e outro de uva.. Bonito de ver são as abelhas, borboletas e beija-flores que voam a filarem néctar por ali .

--A casinha de " dois passos " é a última bem próxima ao paredão rochoso. Aquela pedra escura de fundo, realmente, a pintura do rosado que Eulália quer, vai fazer o contraste ideal. Olavo quer um marrom para mais camuflar a casa. Algumas semanas indo ali e, essa foi a primeira vez que os vi indo em lados opostos. Ela quer um rosado bem forte e, Olavo, talvez por ter servido ao exército, goste de camuflagem. Dei lá uma sugestão que não agradou a nenhum dos dois mas, rendeu boas risadas e fez Eulália me chamar de menino travesso. Em sua suave voz, disse que não constava em seus planos ter uma casa bicolor. - sorrimos.

--Enquanto chegava frente ao corredor de entrada da rua "sem saída" , avistei Eulália e Olavo que voltavam de uma caminhada. Que encanto de casal. Olavo em seu metro e sessenta e cinco que, apenas, pelos cinco centímetros ganha de Eulália em altura mas, é imperceptível. Não fosse o salto dos calçados, ela de sandalinha baixa e ele de sapato, estivessem descalços, não se perceberia a diferença. Aguardei à entrada e seguimos juntos à casinha de " dois passos ".

Enquanto íamos em pequeninos passos, a sensação era de estarmos num esteira, eles citavam casa por casa e cumprimentavam seus vizinhos naquela suave manhã dominical. Contei uns trezentos e cinquenta passos de pura simpatia. Desde a entrada da rua até a casinha de " dois passos", foram dezenas de acenos. Na caminhada, tentei fazer o que fazia quando criança e sempre me perdia na contagem dos paralelepípedos da ruas e, agora não foi diferente. As casas aparteadas pela rua, parecem cenográficas. Continuei tentando contar e desisti, é impossível , sempre perco o conta. Cada quadrado de paralelepípedos é cercado por molduras verdes de pequenos matinhos que só fazem destacar o chão e lhe dão um toque de classe. Não sei porque, às vezes , retiram essa alegoria do entorno das pedras. Ao invés de tirá-las poderiam só aparar.

Chegando à casinha de " dois passos " , a sacolinha que eu trazia dei para Eulália que, encantada com a mini roseira que ganhou,

agradecida, abraçou-me. Olavo, um brincalhão de carteirinha, quis

saber o que ele ganharia e, eu sugeri que traria um regador de plástico para ele regar à cada dois dias - sorrimos. Eulália logo

recomendou que Olavo arrumasse um vasinho e, direcionou o local onde poria sua nova aquisição. Bem ali perto da "onze horas " onde o sol é abundante - disse Eulália.

--Já na casa, antes do serviço, aquela cena encantadora se repetia. A fumaça do café subia das bordas das xícaras a se dissipar . Já não restará muito o que fazer na casa. Sobrarão mais bolos de milho ao

prato. Pude ver que a janela da cozinha , ganhou uma cortina bem peculiar ao ambiente reformado. Eulália é encantadora na performance da suavidade de seu dedo mindinho destacando-se dos demais ao tomar a xícara em mãos sobressaindo em leve esticar , uma classe.

Nesse domingo não teve tanto o que fazer. Depois de colocar as últimas pedras, restou o rejunte do piso que foi posto no quarto. A casinha de " dois passos " estava na reta final da minirreforma.

Já à hora o almoço, um delicioso escabeche de peixe tomava conta. Como ela sabia que adoro ? Claro que não sabia , aquele era o almoço do dia. Pouco depois , o aroma de café inundava toda a casa e, sobre a mesa, álbuns de fotos. Numa delas, Olavo usando um capacete do exército que engolia sua cabeça , rendeu boas risadas. Numa das fotos do álbum, ainda pude ver o que desejei ver deles em tenra idade. Que maravilha, Pareci perceber a mesma cena de quando dançavam na sala. Conseguiram guardar por todo esse tempo a mesma performance.

Foi um breve domingo. A nova cortina da janela da cozinha brincava de balançar-se ao vento e aquele sono da tarde, após almoço, já começava a chamar. Nem mesmo o café estava segurando. Olhando aquela última foto deles, de muitos anos atrás no mesmo passo de dança que comemoraram o dia em que se conheceram. Ali na foto, diferente daquela comemoração na sala quando pude assistir sentado o espetáculo, Olavo não usava sapatos. Apesar de ter percebido, jamais perguntaria a razão.

Eulália e Olavo se entreolham e, sorriem como se esperassem a pergunta e, esperavam. Ficaram surpresos de eu não ter questionado. E porque eu faria isso? Foi aí que Eulália disse que Olavo tirou os sapatos porque não parava de pisar os pés dela - caímos na risada.

Perguntei: mas, e agora? Aprendeu a dançar ? Olavo disse: " agora, eu

arrasto os pés. " - sorrimos de novo.

EjanuarioN
Enviado por EjanuarioN em 23/02/2022
Reeditado em 23/02/2022
Código do texto: T7458637
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