O QUE FAÇO COM ESTA CARTA, MEU AMOR?


Você sabe que nosso último encontro foi maior dos desesperos, a desarmonia de minha vida, o desconcerto de meu mundo. Andei com você ao meu lado e fomos o fogo e o frio. O que você é para mim não se traça em poucas linhas, nem nos lábios das entrelinhas. Derramamos lágrimas demais em nosso último adeus. Decidi, por você, até abandonar a mesa da comunhão, mas você se abandonou dentro de um silêncio e de um caos invisível.

Eu chorei pisando a brasa ardente de meu coração. Fiz caminhos de volta e isso foi doloroso, e ainda dói. Você não se deu conta que sua partida me deixou na esquina das ruas, olhando ventos noturnos sem pressa, sem notícias. O cálice sagrado transbordaria minhas lágrimas; a cruz do crucificado pesou-me tanto. Os dias fecharam suas janelas, as noites se empalideceram.

Recolhi-me, sujeito a uma vida quase apagada sem olhos para fora de mim. O tempo se decompôs em borrão na confusão causada pela ausência de seus gestos, palavras e desejos. Longe, nossos olhos suspiram juntos, enquanto dentro de mim lentamente seu rosto não se apaga.

Guardo uma única fotografia três por quatro, mas nela, seus cabelos negros e finos estão cortados, sua face doce tem os lábios que me disseram “você morreu”.

Morri ao extremo com sua alma sobre meu peito, com seu perfume, com os lençóis de nosso amor. Pensei e penso tanto em você, que desfaço-me num enredo conhecido de amantes perdidos e desesperançados.

Era minha alegria nas manhãs. Juntava versos de poetas apaixonados e com eles fazia sussurros macios aos seus ouvidos e já nem sabíamos nossos nomes.

Onde anda você? Onde, minha dor? Enviei cartas, procurei seus amigos, velei a cidade, medi cada segundo do sol beijando a floresta, vi anjos tingindo nuvens com vinho tinto, vi as nuvens fecharem os olhos. Os seus, no entanto, nunca mais vi.

Apaguei a saudade nos dicionários, nas poesias, nas canções, mas em mim não consigo, pois essa ausência, essa ferida aberta procura você todos os dias.

O que faço com esta carta de amor?
Edmir CARVALHO BEZERRA
Enviado por Edmir CARVALHO BEZERRA em 21/11/2005
Código do texto: T74570