A casinha de dois passos ( parte 3 )
A casinha de " dois passos " parte 3
--- Estou a caminho da casinha de " dois passos ". No percurso, enquanto reflito, olhado à janela da condução, penso sobre uma questão levantada -" é longe ou perto a casinha de " dois passos ? " .
Aquela ilusão das coisas lá fora estarem correndo e eu parado , permanece. Na verdade estou parado, mesmo, e a condução é que segue veloz. As árvores, os carros, as casas , as pessoas lá fora e tudo mais, tambem, passam apressadamente em sentido contrario, parecem estar sem tempo algum para dizer um " oi ". Tão apressadas que, até, vão correndo de costas. Ali, refletindo o tempo e distância perguntei a mim, mesmo:
--- " o que é a distância ? "
Distância é um estado de espírito, a fantasia do tempo. Ele se veste dela para nos submeter. Há perto que seja longe e longe que seja perto. Nas reflexões, acomodo a cabeça e, em pensamentos, balbucio - toda casa deveria ser uma de " dois passos ".
--- Próximo ao local, chegando-me à porta, uma música está tocando.
Olavo me atende, me convida para entrar. Está em traje de celebração,
um tradicional fraque. Eulália, em um antigo vestido longo azul de
seda, tem à cabeça um delicado chapéu de flores, ela me cumprimenta e me diz para ficar à vontade. Sentei-me numa cadeira ao recanto. Ali, ganhei um espetáculo que nem as primeiras cadeiras de glamourosa produção de dança poderiam oferecer. Vejo Olavo dirigir-se até Eulália e, ela repousa uma mão ao ombro dele e, ele a segura com uma à cintura dela. Ambos dão-se as mãos livres e, em suaves contornos de dança, em dois pra lá, dois pra cá, o casal parece viajar numa valsa dos tempos.
Aquela cena parecia querer eternizar-se. Pela vestimenta , certamente, é uma celebração. O momento é especial. A gravata prateada destaca-se da camisa branca e, esta bem alinhada com aquela calça antiga de risca de giz. Olavo, provavelmente, remonta boas lembranças de tempos distantes. Eulália em seu longo vestido azul de seda e com seu pequeno chapéu de susves tons azuis e florido , é puro encanto de recordações. Ainda estavam no mesmo passo ao som de " Mona Lisa " na voz de Nat King Cole, a mesma que ouvi à entrada, no momento quando Olavo me veio receber. E, como me penalizei por ter chegado em hora que interrompeu tão doce momento. Entretanto, para eles era como se nada tivesse acontecido.
--- Ali sentado ouço um e outro dizendo sobre as preferências musicais maternas e paternas. Olavo olha para o alto e, parecendo buscar recordações diz: " papai amava essa ". Aquela manhã estava recheada de recordações. Eulália parecia flutuar, em lentos passos. Como se em nuvens, ao som de Frank Sinatra cantando " Some enchanted evening " , ela dizia: " mamãe amava essa. " Aquele espetáculo ainda durou um
pouco e, na última que ouvi , antes de iniciar a tarefa daquele dia, deixei-me levar por um ato falho de má educação. Envolvido naquele momento, relaxei ao sofá, deseducadamente,
larguei-me. Acomodado , olhava ao teto procurando aquele momento.
Seria interessante ver aqueles dois em suas tenras idades. " I can dream cant`l ? na voz do trio feminino Andrews Sister " foi a última que tocou naquele espetáculo que durou pouco mais de dez minutos.
Terminada a apresentação, os dois ainda se olham como duas estátuas
que se admiram .
Aquele momento deveria eternizar-se. Quem sabe , não é eterno? São almas gêmeas de suas cumplicidades. E, como sempre são, extrovertidos e de tão ímpar inocência, viram-se para seu público de um só e, num leve curvar-se, agradecem a apreciação. Entrando na brincadeira , aplaudo o espetáculo em que comemoram e celebram a data que se conheceram.
--- Fui ao quarto continuar a colocação do piso e, com o som da música na cabeça, ia fazendo em murmúrios os sons da melodia de " I can dream cant`l ? Sim, na casinha de " dois passos " pode-se sonhar sim.