A casinha de dois passos ( parte 1 )
casinha de dois passos 1
--- Nem longe e nem perto, do tamanho ideal, a pequena casinha recosta-se em paredão rochoso recoberto de musgos. O telhado da casa, com mesclas de musgos, parecendo uma extensão saida do rochedo, ainda, serve de aconchego de pequenos pássaros. O cenário das ramas e pequenas cordilheiras de flores que se espalham parecem querer conduzir à estórias como dos contos de reinos e floresta encantada. Qualquer que ali chegar sentirá essa sensação.
--- À porta , a senhorinha da casa me vem receber. Aquele olhar fagueiro, o que carrega dos tempos desde sua infância até ali? Quantas histórias conta-se ali em seu "castelo " ? É possível viajar no cheiro da alfazema. Rompendo barreiras, inundando de recordações cada pequeno cômodo, a fragrância é denunciada :
- Ele não tem mais barba mas,
continua a fazê-la " - diz a senhorinha , com leve sorriso.
Arrumava a mesa antes de me receber à entrada. Com suave gestual, como maestrina à orquestra ,diz para que eu entre.. A toalha de mesa, de uma brancura impecável, certamente, pelo aspecto, ficou quarando em sanitária ao sol. As suaves e delgadas mãos que lhe tiram as dobras, parecem de seda. Tamanha é a suavidade com que desliza aplainando cada imperfeição na toalha que parece nem mesmo tocá-la. Possivelmente, pela forma como conduz, esteja viajando longe à cada vai e vem. O bordado nos entornos da toalha, certamente, foi obra sua. É possível ver as agulhas e linhas em pequena cesto sobre uma cadeira no costado de uma sutil janelinha vestida de uma chita florida. Por entre duas partes separadas por lacinhos em formato de borboleta, entra uma suave nesga de luz. No bordado da toalha de mesa, a família de patinhos deve ser imagens de sua infância que quis registrar.
A pequena casinha tem um doce e pitoresco ar de nostalgia, ares de casa campestre.
Da sala, em seis passos, ela está na cozinha. Ela, é Eulália. Um vestido de
estampa florida faz dela um jardim e, a batinha de suave crochê de cor creme desvreve-se como o manto em sua realeza. A água do café ferve, é possível ver o volume da
fumaça. Parte da água despejada sobre as xícaras e talheres mostra bem o quanto é caprichosa. Quão especial é essa senhorinha por isso que temos em comum e que torna mais saboroso o café.
Eulália é tão suave, parece uma penugem que baila nos ares. Talvez tenha sido bailarina; ela não anda, baila. É tão doce que, até mesmo, para não aceitar que se ajude na preparação da mesa, recusa com uma singeleza que mais parece um pedido de desculpas. A vagarosidade com que conduz , parece uma maestrina regendo uma orquestra em lenta sinfonia. As xícaras em tom bege e
verde, destacam-se à mesa. O cheiro do café rivaliza com a alfazema que já perdeu um pouco sua intensidade. Algumas bolachas, um pote de pura manteiga , alguns pedaços de bolo de milho e uma exuberante e vermelha garrafa de café, são um banquete àquela manhã.
Puxei a cadeira para que ela se sentasse à mesa e, ela lembrando história antiga, agradeceu. Seus olhos pareciam úmidos ao lembrar seu pai fazendo assim à sua mãe. Depois disso, logo em seguida , terminada a barba que nem existia , chegou seu sinhozinho que, sentando-se à mesa, alisa ao rosto como que para ter certeza de que está bem escanhoado. Entre eles há um certo ar de brincadeiras. Acho que é isso, as pessoas vão se tornando crianças à medida que atingem a longa idade. Num tom de ironia, Eulália perguntou:
"- Tirou o que não tinha ?"
Em breve momento, em parte mais especial daquela linda manhã, com as mãos entrelaçadas, cotovelos à mesa , agradeceu-se pelo pão de cada dia. E, em mais um momento de descontração, aqueles dois parecem eternos brincalhões, ela está passando manteiga na bolacha e diz:
" -Quer uma bolacha? "
Olavo, é esse o nome daquele simpatico "sinhozinho" que, ainda, teimando em alisar o rosto, brinca e responde:
" - Que fiz de errado para querer me bater. "
É tão singelo aquele momento. A forma como ela passa a manteiga ao biscoito, um vai e vem que parecem fazer e remontar lembranças.Talvez se lembre de como era bom se balançar como nos tempos de criança. Por um momento eu quis propor isso, mas achei por bem não invadir muito a privacidade do momento. Além do mais , talvez nem fosse isso que se passava em sua mente e, eu é quem estivesse biajando em minhad boas memórias. A candura daquele olhar encanta. A forma devagar como leva à boca e mastiga o biscoito é como
uma demorada reflexão de pensamentos distantes . Parece buscar lembranças. A impressão que tenho é que é possível dormir , tamanha a vagarosidade e delicadeza do momento. Parece que tudo ali está em câmera lenta, os ares de ali são carregados de bucólica pureza.
--- Em outro momento, lá está Eulália tomando os panos de prato e, estendendo diante dos olhos, como à verificar, dobrando um por um, pressiona sempre a mesma quantidade de vezes à cada um deles guardando-os na gaveta. Um gesto simples que se repete. O que se passa nesse seu olhar fixo à cada afofar ? Talvez busque corrigir coisas que ficaram para trás? Talvez
esse gesto faça iludir e, em tentativa inútil, amenizar os pensamentos
distantes de algo que quisesse fazer diferente? Quem sabe o gesto,
apenas, preencha o longo tempo que têm. Talvez tenha a ver com a casa
em que só eles dois habitam ou , quem sabe, seja nada.
Ali, passa-se o dia em brincadeiras bobas e, isso só me confirma que não é preciso muito para se ser feliz. Quando se tem alguém que nos completa, isso é a felicidade. As vezes só precisamos do lugar certo com a pessoa certa. Alguém que te faça achar graça e ,até mesmo, do nada te faça rir,