CONSTATAÇÃO DE MIM
Qual o impacto que ondas menores e constantes causam na estrutura de uma edificação, ou formação rochosa? Bom, sabemos que esse questionamento vem de encontro ao velho ditado popular: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. E mais uma vez o senso comum prova-se um tanto quanto eficiente e certeiro. É provado sim, que certas obviedades são totalmente desmentidas e infundadas cientificamente, porém este dito popular carrega em si um conhecimento adquirido pela observação. A erosão de formas rochosas e outros elementos da nossa natureza é um fenômeno que ocorre de forma latente durantes anos de exposição de determinados artefatos sob as condições externas do meio. Da mesma forma, e de modo estranhamente similar, porém nem tanto moroso quanto o processo de deterioração das rochas, nossas emoções e estado psíquico está suscetível a um processo de esfacelamento constante e cotidiano. É que, como na analogia montada acima, somos diariamente abalados por inúmeras problemáticas inferiorizadas pela sua rotineira constância, mas não notamos o impacto que cada resvalada destas “ondas menores” nos causam. Por exemplo, diariamente temos a obrigação de nos fazermos produtivos em nosso ambiente de trabalho. De que forma o fazemos? Sim! Isso mesmo. Resolvendo as demandas inerentes à nossa função. Seja ela um desafio braçal no contexto produtivo do “chão de fábrica” ou uma complexa movimentação financeira que impactará o destino da CIA em que você é empregado. Enfim, seja qual for a demanda, trabalhista, existencial, espiritual, mental ou física todas estas pequenas ondas nos tiram pequenos fragmentos que dia após dia influenciam em nossa construção total como sujeito. Basicamente, e de modo similar, vimos no atual contexto de pandemia um número crescente de mortes cotidianas, e isso de forma espantosa, não impactava a plasticidade da nossa percepção como sociedade. De modo geral, seria mais impactante, chocante um acidente que vitimasse 1000 pessoas do que o mesmo número de mortos serem expostos dia após dia nos noticiários. De certa forma, para este tipo de catástrofe sistemática, temos a tendência de normalizar e até incorporar no nosso cotidiano este tipo de acontecimento sistêmico. Não fosse dessa forma, já teríamos pensado noutra formatação social, política e econômica que o capitalismo no qual insistimos em conceber como modelo capaz de sanar nossas mazelas.
Nesse sentido, a vida, como produto concebido a partir deste modelo existencialista, é uma sucessão de situações, umas impostas e que estão acima do nosso caráter decisivo e outras que ocorrem pelo nosso poder de escolha. E estas situações nos tiram lascas diárias, como num processo corriqueiro de destruição de pequenas partes nossa. E nem mesmo a constatação disso nos impede de vivencia-lo. Podemos compreender o tempo como o vento que nos arranca pequenas lascas nesse processo, podemos dar qualquer outro sentido para isso tudo, porém não conseguimos parar. Talvez, tudo isso seja para construção e redesenho de nós mesmos, e o que eu esteja falando aqui seja só uma constatação do desenvolvimento da nossa formação como pessoa. O que consigo é assegurar que isso só avança, e que não há uma reedificação. Não conseguimos voltar ao estado harmônico após vivenciar a desconstrução como no modelo da entropia. É algo constante, que nos leva para um estado primevo, o pó!