Carta aos Sobreviventes
Recife, 28 de abril de 2020
Pernambuco – Brasil
De Ed Arruda
Aos ex.mos. sobreviventes do planeta Terra.
Adoraria o envio através de garrafas, deixa-las viajar ao empuxo das águas e força dos ventos por opção poética; rejeito porque rios e oceano se encontram poluídos e rechaço contribuir; também, o risco de não alcançar o destino. Evito as redes sociais prostituídas de más intenções. Escolho o livro. Desejo que se encontrem saudáveis e em paz quando esta chegar a suas mãos.
Contrariando o bispo de Hipona; o tempo se parte, tal lâmina de vidro e deixa cair no vazio o presente do presente onde se escreve a história. “Não sabemos o que passa e isso é o que se passa – Ortega y Gasset”. O fato viaja na boleia, a consciência do significado na carroceria; algo como o relâmpago e o trovão: ao curto-circuito das nuvens, o calor e a luz produzida firmam o evento; o tardio deslocamento do ar autentica a consciência da significação. “O pássaro de Minerva (da razão) alça voo no crepúsculo – G.W.F. Hegel”. O clarão aconteceu, agora escutamos a trovoada.
Reverbera em nossas vidas uma crise planetária: social, financeira, moral, política, cultural, ideológica, ambiental e religiosa que empurra a Terra ao colapso que sob tormenta recebe o ataque da Covid –19, doença causada pelo novo Coronavírus, cujo epicentro da enfermidade é a cidade de Wuhan na China. Temente ao comando central do regime totalitário do País retarda a denúncia da contaminação das primeiras vítimas, assim oferta tempo para a fuga do microrganismo e proliferação da pandemia. “Todas as artes produziram suas maravilhas; somente a arte de governar produziu monstros – Saint-Just”.
No cenário nacional, não bastasse o estado de calamidade do sistema de saúde pública em âmbito federal, estadual e municipal; a gestão do Ex.mo. Senhor P se dispõe a contribuir com a letalidade do vírus, tratando-a por gripezinha, resfriadinho, talvez por constatar a mira da arma apontada para o enxugamento do Planeta pela redução dos subprodutos: pobres, doentes e idosos. A luz de alerta excita o nervo central do pensamento de quem conhece as mazelas do imperialismo econômico e enxerga a possibilidade do combate ao crescimento populacional através de arma biológica, afinal a pergunta deixa a resposta no ar: “Uma Terra finita pode suportar um projeto infinito? – Leonardo Boff”.
O Ex.mo. Senhor P não está só, arrasta uma legião de seguidores e segue outras que encorajadas saltam do anonimato das redes sociais para os holofotes das ruas, porém o objeto do desejo é bem mais amplo e à moda do inferno, que não existindo, eles inventam. “Não duvidemos jamais que um pequeno grupo de indivíduos conscientes e engajados possa mudar o mundo. Foi exatamente dessa forma que isso sempre aconteceu – Margaret Mead”.
Consciência? Suscita dúvida o peso do conteúdo que sombreia às telas dos celulares com “fake news”, comprovando o engajamento à prática do comportamento antissocial, do desprezo à cidadania e à responsabilidade moral. Grupos com tochas nas mãos formam cordões de aloprados para atear fogo à Roma motivados pelo reencarnado Nero que discursa com a voz entrecortada pelo ódio que lhe flameja as órbitas oculares enquanto as cáligas lhe calçam os pés e denunciam as engrenagens cromossômicas do tempo na reencarnação do Prometeu moderno, codinome Frankenstein. Ele conhece o desvio, assume a conduta e confia no apoio dos seguidores. “A humanidade é para si mesma simultaneamente seu pior inimigo e sua melhor oportunidade – Patrick Viveret”.
O odor de sangue fresco impregna o espaço atrás das cortinas do gabinete do ódio. O exame detecta duas safenas que ameaçam romper: uma guerra civil entre o sim e o não; rompida a primeira, a intervenção militar para manter o feio Calígula que sonha com o fechamento do Congresso, a submissão do Supremo Tribunal de Justiça e da Polícia Federal, pois só assim exerceria o império. “O colapso da União soviética foi um Chernobil sociopolítico – Mohamed Arkoun”.
O corte parcial do oxigênio do totalitarismo insaciável foi incêndio mal apagado e reacende chamas em dois focos onde ardem brasas: o totalitarismo insaciável do capitalismo financeiro e o do fanatismo etnorreligioso. O País se declara laico, a sociedade veste o traje religioso de preferência. Mas a tormenta da Terra se traduz na aflição do seu povo; a maior igreja perde fiéis para congregações menores e sem demora e com o financiamento dos desassossegados montam exércitos de obedientes, aliviados em seções de descarrego, aptos à guerra civil entre o sim e o não, únicas expressões que lhes são permitidas exclusivamente pela articulação do pescoço e balanço da cabeça.
O cenário é o pântano mundial onde morrem os dos países ricos, os dos emergentes, os dos miseráveis; sem guerra, soldados, foguetes, tiros ou bombas atômicas; essas são cegas, não possuem mira e duram uma eternidade. “A crise do desenvolvimento conduz a humanidade a prováveis catástrofes em cadeia – Edgar Morin”
A tragédia empurra a sociedade ao fundo do poço. O povo perde o direito de ir e vir dentro de uma quarentena que lhe subtrai o emprego, o salário e obriga o uso de máscaras. Comerciantes reclamam perdas, moeda e bolsa de valores derrapam, famílias perdem parentes, amigos e da vacina nem notícia.
O grito uníssono retumba a palavra salvadora – solidariedade!