Lamento de um pai "irrelevante" esquecido em casa
Onde anda você que, mesmo ainda dentro de casa, é invisível ao meu amor, despreza meus cuidados e nem sequer conversa com o pai hoje de meia idade?
Por que ignora o "velho" que, sim, gostaria de um pouco de atenção? Os cabelos cinzentos incomodam, a perda de energia torna quem tanto sempre te amou e te ama irrelevante, ultrapassado, apenas um ser decadente?
É meu filho, meu único, passou a fase dos carrinhos, lego, cavalinhos e do pai herói. Que saudade e nostalgia de ser chamado de "papai" ou ver em teus olhos o quão importante e precioso era para você simplesmente passar horas comigo!
Escoou tão rápido nosso tempo de passear no parque, ir à praça dos carrinhos motorizados, das brincadeiras de bola no campinho...
Voou a época das primeiras idas no estádio, do esconder-se atrás da poltrona quando o pai coruja chegava do trabalho e fingia que não sabia onde estava o menininho que lhe dava tanta alegria! Quantas lembranças guardadas como tesouros!
Sabe meu filho, um dia quando me perguntaram quem seria meu melhor amigo, respondi prontamente que depois de Deus era você, que então tinha menos de dez anos e de fato estávamos sempre juntos.
Mas oito anos depois, você, como me vê? Acaso me considera pelo menos um amigo? Sei que não sou mais o herói do menininho, mas teria eu me tornado o vilão do maior de idade?
Por que me evita dentro de nossa própria casa e quando não está no colégio, academia, igreja prefere teu quarto e o celular a "curtir" a quem tanto se deu por você?
Se um dia você ler estas não tão bem redigidas linhas - o que eu duvido que fará - , talvez fale ou pense que são de um homem "manhoso", fraco, velho, e quem sabe não tenha razão. Contigo jamais fui como meu próprio pai comigo ou o dele com ele, distante, autoritário, deixando muito nas mãos de uma mulher. Não, com certeza não, meu único. Tentei com cada fibra de meu ser te dar o maior presente que eu podia, minha... PRESENÇA!
Por que então, agora, que a vista falha, o glaucoma incomoda, a gordura aumenta ou a memória falha me nega ao menos alguns parcos minutos em tua "agenda"?
Sabe filho, meu único, não quero e jamais serei um estorvo, um peso. Só peço que se, de vez me abandonar fisicamente, guarde em algum lugar em você um pouco de mim, mesmo de erros que todos os pais humanos cometem. Lembre que, mesmo que eu mesmo já não mais esteja neste mundo, jamais deixarei de amar, pois o amor não conhece distância e mesmo que ignorado, desprezado ou abandonado, insistirá em dizer, ao menos no meu caso, o que sempre repetia quando você, ainda dependente do "herói" temia o escuro: "papai está aqui".