Capitu Se Apresenta

Peço desculpas desde já. Estou um pouco emocionada por falar com vocês pela primeira vez. Se minha voz embargar pelo choro que tende a ser reprimido por mim, peço desculpas. Meu nome é Capitolina, embora seja uma mulher Inteligente, prática, de personalidade forte, calei-me diante das acusações de meu marido, e compartilho com vocês, estudantes da ECIT Chiquinho Cartaxo, a minha versão. Depois de muito tempo, tive a oportunidade de contar a minha história, por isso agradeço se vocês me ouvirem. Nunca me deram a oportunidade da fala e diante das acusações sem fundamento do meu marido, percebi que calar-me era o necessário.

“Quem cala, consente, com certeza já ouviram essa máxima, mas nem sempre isso é verdade. Às vezes, a fala é podada e nossa voz é silenciada, foi exatamente isso que aconteceu comigo. Não sei se em algum momento da vida, vocês já tiveram suas ações mal interpretadas, afirmo com toda a minha convicção de que não tem coisa pior no mundo do que você ser tachado de algo que não é e ser acusado de algo que não fez. por algo que não cometi, recebi insultos, injúrias até mesmo de pessoas que nunca conheci, vocês devem conhecer alguém que assim como eu, sofreu e foi bombardeada por pessoas que nunca conheceram, na internet isso acontece com frequência, não é mesmo

Confesso, sou diferente mesmo, a mesmice não combina com a minha personalidade, de fato, não fui como as adolescentes de minha época, recatada e do lar, quando eu queria algo, realmente eu lutava para conseguir, mulher de iniciativa espanta aqueles que não estão acostumados e eu espantei muitos, até mesmo o meu marido.

Apaixonei-me pelo doce e mimado Bentinho, meu amor de infância. Sempre fui mais madura do que ele, mas meu vizinho fisgou-me com sua meiguice. Ele não pretendia ser padre como sua mãe determinou, mas desejava casar comigo, sua amiga de infância. Um fato interessante, é que ele nunca tomou as rédeas de nada, os planos, para ele não entrar no seminário, eram sempre elaborados por mim. Não me arrependo, eu sinceramente o amei.

Na velhice, tornou-se um homem fechado, solitário e triste. As lembranças do passado o tornaram um indivíduo de poucos amigos. Nada desse homem na velhice lembra o doce Bentinho da juventude, Desde menino, foi sempre mimado pela mãe, pelo tio Cosme, pela prima Justina e pelo agregado José Dias. Essa superproteção tornou-o inseguro e dependente, incapaz de tomar decisões por conta própria e resolver seus próprios problemas. Essa insegurança foi, sem dúvida, o fato gerador do ciúme doentio que gerou a suspeita de adultério e essa suspeita estragou sua vida.

Eu inocente, fui descrita por Bentinho como uma desmiolada. E que meu amor, não era nada mais do que um ingrediente de ascensão social, taxou-me oportunista, e que desde garota tinha ideias atrevidas. Toda a minha existência foi usada contra mim. Nos meus olhos Bentinho depositou toda uma desconfiança. Acreditem, fui culpada pelos meus olhos “de cigana oblíqua e dissimulada” tal como ele descreveu. Isso só ressalta a personalidade doentia do meu marido.

E foi no seminário que ele se tornou amigo de Ezequiel de Souza Escobar, com quem conviveu com muita proximidade. Bentinho tinha uma devoção forte por Escobar e consequentemente, todos os familiares se tornaram próximos dele, assim como eu também. Minhas intenções nunca colocaram em dúvida a minha integridade. Quando Escobar se casou com Sancha, nossa amiga, logo tiveram uma filha, e em minha homenagem a chamaram de Capitolina. Assim como nós retribuímos chamando nosso filho de Ezequiel, em homenagem a Escobar.

Meu pobre filho, sofreu o desprezo do pai que tanto amava, até mesmo Bentinho tentou envenenar o próprio filho. Mas ele não foi culpado. Eu fui taxada de culpada, sem nada ter feito. E quando Escobar morreu afogado num mergulho no mar, eu senti a sua morte, pois perdemos um amigo em uma fatalidade que ninguém esperava. Mas meu marido doentio, ao fitar meus olhos imaginou que eu era a viúva chorando pelo marido, não percebeu o óbvio, uma amiga chorando a morte do amigo.

A prova da traição seguindo os devaneios de Bentinho foi o meu olhar, por isso repudiou o próprio filho e tentou matá-lo.

Bentinho obsessivo não me deu espaço para defesa. Ele via Escobar no próprio filho. Seguindo a sua criminologia machista, que me reduziu a mulher inferior biológica e intelectualmente falando, fui injustiçada porque ele não me deu a palavra. E seguindo a lei básica: Sem contraditório, não há justiça. Fui culpada até nas gravuras das capas dos livros e descrita em um processo ambíguo. O ofendido, meu marido, é ao mesmo tempo juiz, promotor, narrador, relator e revisor. E eu... uma mera ré, sem fala, sem vez e sem voz.

E se vocês me condenarem também, irão cair na armadilha que um “louco” criou. não me defendi, também não tive defensores, por que na maioria das vezes é isso que acontece com a mulher, assim foi na minha época, e assim é na época de vocês. “No fundo é uma inocência humana que todos deveríamos ter, até prova definitiva em contrário, que se extrai a força e o argumento de sua redenção,” traduzindo… Não se pode condenar ninguém com base em um olhar.

E assim como O enigmático (e matemático) sorriso de Mona Lisa meu olhar foi descrito como o mais enigmático e desafiador de toda história e eu fui condenada e sentenciada pelo meu olhar… Essa dor sempre me acompanhará, no entanto, sinto-me mais leve, por compartilhar minha história com vocês. Obrigada por me ouvirem.

Texto produzido para a aula de Literatura na Escola Cidadã Integral Técnica Chiquinho Cartaxo, Sousa PB.

Daniele Pereira
Enviado por Daniele Pereira em 28/09/2021
Reeditado em 22/04/2023
Código do texto: T7352094
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