Carta do amor ausente
Passados 15 anos e ainda ouço o teu arrastar de sandálias, a porta sendo destrancada e o teu cheiro misturando-se na noite que teima em seguir.
O tempo perdeu a noção.
Eu perdi a noção.
A canção que era nossa, perambula feito fantasma em minha mente.
A insensatez das horas se transforma na incompreensão da ausência.
Por todo este tempo, mantive a tua pele estirada sobre a minha.
A tua voz aparece murmurada enquanto ando pelas ruas que não pisamos juntos. Tive o cuidado de desviar de todas as calçadas que compartilhávamos.
A água do banho percorre meu corpo num descaminho de desejo sufocado. Posso sentir tuas mãos espalhando o óleo perfumado nos meus poros.
Gostaria de mordiscar o teu pescoço. Soletrar teu nome enquanto as nossas coxas se enroscam agora nesse tal imaginário.
Depois de tanto tempo, desisti de te colocar no baú das lembranças mofadas. Te carrego no peito, feito cruz cravada no coração já despedaçado pelas esperas.
Queria te contar as coisas que vi e as que inventei. Perder o prumo em meio às nossas intermináveis conversas que atravessavam as paredes dos dias.
Queria ter parado o tempo. Queria ter voltado no tempo. Queria que o tempo não existisse. Que tudo fosse invenção de uma mente atormentada pela saudade que dilacera.
Mas não consigo nada. E sigo a teu lado, de mãos dadas, sentindo o calor abafado das nossas incompletudes.
Não consigo sequer decretar a morte desse amor denso e distante. Escrever a lápide da memória desconstruída pelos tantos dias que passaram sem que me desse conta.
Sei que não estamos. Sei que já não estás. Que tudo o que tivemos se perdeu no rio escuro da traição. Que as promessas se tornaram lâminas a extirpar as probabilidades do que esperávamos de nós. Ou do que eu esperava de ti.
Quinze anos passados sem entender o abstrato cheiro de jasmim que perfuma a casa enquanto a tua ausência adorna a alma que restou em mim.