Carta para Helen, um dos meus amores.
Querida Helen, pena que não podemos conversar muito aquele dia, a surpresa foi grande, bom demais ver vocês. Pois nem te conto, nem era pandemia ainda, passeando pelo centrinho de Tramandaí, numa loja de sapatos muito simples, vi uma bota que me encheu os olhos, boa de ir para o quintal e enfrentar o frio. Camurça bege, sem cordões, tipo “Jeca Tatu”, como eu gosto. Era verão, acho que fevereiro e repentinamente deu um frio que fez a massa se escafeder para as lojas à procura de agasalho, lembras? Estranho comprar roupa de lã na praia, o bom é havaiana com meia. Mas voltando à minha bota “Jeca Tatu”, pedi meu número, peguei as botas, paguei e saí saltitante. Odeio experimentar roupa e sapato. Esta semana que fui estrear a tal da bota. Leve, macia, mas olhando bem de perto, vi que parecem com aqueles bambuchões cretinos que os velhinhos usam em asilos, coisa mais triste, tenebrosa, se Prada visse, me esbofeteava. Calcei as botas e dei uns passos aqui pela sala, saí derrapando, direto, o solado é tipo um papelão disfarçado de borracha. Cheguei à conclusão que comprei calçados 171, made in China, a bandidona da bota é de papelão. Helen, não é para rir, se não fosse o balcão eu tinha me esticado no chão, sem rir, por favor. Dei mais uns passos e quase fiz um spacate, nem Ana Botafogo conseguiria fazer o que fiz, minhas pernas foram se abrindo na vertical, meu ciático relinchava. A perna direita foi para frente e a esquerda, aos poucos, escorregando para trás, eu fiquei elástica e completamente crocante, estalou. Fui com tudo, escorregando no parquê. Nunca dancei balé, mas aprendi em dois minutos. Pensei em pegar uma pá, uma picareta, um serrote, picotar a infame da bota e fazer o cara da loja engolir cada pedaço. Helen, comprei um genérico. Mas como sou obstinada, jurei que as botas não iam me ganhar, botei meias lã bem grossas, para que ficassem firmes nos meus pés, e me deslanchei pela casa. Era um passo e uma freada, como se eu pisasse em ovos ou andasse de patins, e o ciático berrava. A bota do demu é tão leve, que me senti levitando sem sentir o chão, mas continuei deslizando e me agarrando. Preciso voltar na praia para achar a fuça do dono da loja. Pensei em experimentar no quintal onde o piso é áspero, bah, melhorou um monte, mas a bota faz um barulho estranho, parece que a gente está arrastando um saco com folhas secas ou sendo perseguida por alguma entidade de fora da Terra, ela vai raspando. Resumindo, comprei gato por lebre, até vou ver se não tem um “morcego” no logotipo da sola, ííí, ferrou, pior que é made in Brazil.
Helen querida, foi bom demais ver vocês, nosso amor por todos sempre vai ser grande, sou muito grata. A tua alegria e força, guerreira, contagia. Esta carta era para falar sobre família toda, mas a infeliz da bota não me sai da cabeça, me deixou maluca, periga um Rivotril me botar no eixo. Todas as bênçãos para ti e para os amados surfistas. Saúde!!! Amor. Tia