Carta memorial
Carta para futuros professores(as) e para minha mãe,
Memorial "Ser professor (a) de língua portuguesa e literatura"
No papel nenhuma frase coerente sai, mas o que eu queria? na verdade queria que sábias palavras brotassem como flores ao toque do sol. Triste ignorância a minha quando em minha juventude escrevia poemas e letras de músicas que para meu eu adolescente eram boas demais, eu apertava aqueles livros contra o peito como se eles fossem entrar em meu ser, eu ansiava aquelas palavras para aprender a falar daquilo que ninguém dizia (ou era o que eu pensava). Antes eu usava as palavras como roupas, me vestia e revestia delas, mas a faculdade de teorizou, me lapidou. Não quero dizer que eu era boa, longe de mim ter tamanha presunção, o que digo é que eu era uma aluna sonhadora e que meus versos antes escritos nas últimas folhas do caderno, agora são deixados atrás das portas da universidade.
Veríssimo certa vez meio que brincando com as palavras frouxas disse que aquele que se atém a perfeição da escrita, se vê refém da insignificância do escrever com presunção de se ser, acho que é isso, a menina que escrevia atrás do caderno vendeu as palavras ao diabo e as afundou na angústia.
Não posso dizer que essa angústia que me assola, e a tantos outros, é única, mas antes eu escrevia para falar delas, eu escrevia para desabafar, para enamorar, para pensar, para trancafiar meus versos em caixinhas de madeira ou gavetas. Agora já não escrevo mais, minhas palavras carregam uma profunda agonia, uma melancolia própria de não se ser e não saber o que se queria ser.
Na escola me ensinaram a falar de sentimentos, de guerra e solidão, nas aulas de literatura eu aprendia e nas aulas de educação física escrevia. No entanto, hoje, escrevo nas aulas de teoria, escrevo nas aulas de literatura francesa e escrevo apenas a matéria dada copiosamente pelos professores. Sinto que as palavras já não mais me pertencem e que cada frase aqui descrita me apunhala forte, provoca-me, me dizendo o quão insignificantes tudo isso é.
Me sentei ao lado desse jardim hoje e em um segundo me vi em um jardim de concreto sob uma única árvore, lá mandaram-me escrever, - escreva qualquer coisa - me diziam. Ouço um murmurinho e cá estou de volta a sala de aula ao lado do jardim da faculdade, alguns futuros colegas de profissão riem de mim, são os ditos “literários”, quero saber onde se encontram as palavras certas, sei que não existem, ao menos não para mim, então apenas os mando para aquele lugar mentalmente e saio. Embora me atormentam esses risinhos, bem no fundo eu não ligo, ao menos ainda há uma faísca que escreve.
Sentada na sala de história escrevo na última folha do papel, um ensaio de um romance brega sobre qualquer coisa de inclusão, uma folha em minhas mão e uma redação. Ergo os olhos e cá estou, a aula de redação do Enem começou, sou eu quem corrijo as redações, sou eu a ceifadora as palavras.
Quem diria que alguém tão sonhadora que escrevia para si mesma, e porque não para quem possa interessar, agora estaria fadada a ensinar um modelo de escrita que “corta as asas” dos alunos os fazendo pensar como produtos de uma sociedade sem alma? Sinceramente eu não sei o que esperar dessa docência.
Período longo demais “senhora sociedade sem alma”…
O que há de errado nos períodos longos? Nada, apenas regras.
A escrita, a leitura antes eram um prazer e agora são sinônimos de tortura. Anos e anos de agonia que culminando no Enem, pré vestibular ou qualquer coisa do tipo. Repete teoria, repete conjugações, repete frases inteiras e citações, seja na escola ou na faculdade o ensino é uma via de mão única, que celebra “les bonbons d'or” ou “elite literária”, a grande diferença é a liberdade de ir fazer xixi e/ou beber água quando se quer, na faculdade você se levanta e sai, também queria poder fazer isso na vida real.
Não se deve subestimar o poder das palavras, me disseram, hoje eu acredito, minhas “letras”, pois não me atrevo chamar de palavras esse amontoado de coisas, trazem melancolia, apatia ou até mesmo impaciência. E para aqueles que leem eu apenas quero informar que na verdade eu não me importo com sua opinião, as vezes escrevo coisas soltas no papel, aproveito raros momentos que posso escrever para dizer o que penso e se não os guardo na gaveta, lanço ao mundo e doa a quem ler, eu já não ligo, não mais...
Minha mãe sentada na máquina de costura me manda ler de novo o jornal velho que ela ganhou na noite anterior. Leia de novo para gravar as palavras e ser muito inteligente, ela dizia. Hoje entendo que o futuro próspero era ligado a ideia de fazer uma faculdade. Eu tinha apenas 5 anos e o embalo dela me faltou, apenas as palavras me confortaram. Minha mãe virando a noite para cuidar de todos os filhos sonhava que as palavras um dia pudessem ajudá-la a descansar, “minha filha inteligente que já lê igual gente um dia vai ser dotora”. Minha filha deitada na cama brinca com suas bonecas, e a sina da minha mãe na máquina de costura agora é minha no computador, enquanto ela brinca sozinha eu vou repetindo “minha filha criança um dia vai crescer enquanto luto na tentativa de dar a ela uma chance de sobreviver”,minha mãe não vive, ela luta e eu continuo resistindo.
Daiane Joice da Silva. Graduanda em Letras, português e francês pela UFMG. Professora, mãe e sonhadora.
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