Para minha querida família

Lund, 10 de janeiro de 2023

Para minha querida família

Todas as pessoas costumam pensar sobre a morte. "O que acontece quando morremos" é uma uma pergunta que todos já fizemos ou viremos a fazer a nós mesmos. Eu não preciso perguntar pois a resposta veio para mim um dia de forma extraordinária.

Fazia cerca de dois anos que papai morrera. Eu era então uma menina gorda e tímida e não tinha sequer um amigo. Aos sábados à noite minha mãe e meu padrasto costumavam sair para dançar. Eu costumava ficar em casa lendo um livro. Eu não tinha nenhum livro para ler nesse sábado.

Eram oito horas quando meu padrasto e mamãe saíram. Eu sentei-me em frente à televisão e tentei concentrar-me em algum programa idiota que passava, mas como não pudesse, fui para a cozinha. Eu estava a preparar-me um par de sanduíches quando eu o vi.

No comeco eu não acreditei no que meus olhos viam, mas depois de olhar fixamente por alguns minutos sem que a imagem desaparecesse eu tive medo. No canto próximo à geladeira estava meu pai de pé olhando-me. Eu fechei os olhos pois não queria ver, mas isso de nada me adiantou: Quando eu abri os olhos meu pai ainda estava lá.

Primeiro eu tive medo, depois eu tive raiva. Eu tinha raiva de papai. Sempre tivera. Meu pai sumira quando eu era apenas uma rescém-nascida. Depois ele voltara para morrer logo em seguida. "Como ele pôde fazer isso comigo" eu pensava.

Eu não queria, mas eu o ouvia de toda forma. Ele disse que jamais me deixaria novamente. Ele disse que ajudaría-me sempre, sempre. Eu não queria responder e não respondi. Eu pensava que havia ficado demente de repente.

Depois desse sábado, papai sempre estivera comigo. Eu o via, eu o ouvia. Eu jamais lhe respondia.

O tempo passou exatamente como o tempo costuma passar. Eu continuava sem falar com papai, mas raiva dele eu já não tinha. Eu comecava a gostar de que ele estivesse ali. Sempre ali.

Dez de janeiro foi o meu vigésimo-primeiro aniversário. Eu me lembro que me sentia madura e sábia. Eu estava extremamente feliz. Então eu já não era mais gorda e eu tinha muitos amigos. A festa comecaria às sete horas naquela noite eu procurava fazer-me um belo pentado. Quando eu olhei-me ao espelho, o que vi foi uma bela e feliz jovem mulher. E foi exatamente naquele instante que eu comecei a perceber que tudo o que havia mudado em minha vida, mudara depois que meu pai voltara. Eu inspirei profundamente e o ar cheirava a amor e seguranca. Então eu quiz contar isso para papai. Eu, que durante um longo tempo me recusara a falar-lhe, derepente precisava agradecer-lhe.

Eu virei-me para um lado, depois para outro. Papai não estava em lugar algum onde eu pudesse vê-lo. Eu fiquei triste por alguns instantes. Depois sorri e agradeci-lhe de todas as formas.

Papai é o único espírito que jamais vi. Durante mais de três anos eu o vira constantemente. Agora eu apenas sonhava com ele. E eu sonhava com ele apenas às vezes.

Hoje eu estou velha e cancada. Meus bisnetos sempre me perguntam se tenho cem anos. Às vezes sinto-me exatamente como se tivesse...

Ontem sonhei com papai novamente. Ele virá buscar-me. Quando vocês lerem esta carta, saberão que me sentia segura e feliz nos últimos momentos de minha vida.

Olla Svensson

Monique Freitas
Enviado por Monique Freitas em 09/11/2007
Reeditado em 11/01/2019
Código do texto: T729731
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