Carta para Magali – Mente “insana” in corpore “pióris aindis”
Querida irmã, que estejas bem. Não posso esquecer que amanhã é o teu aniversário, vou deixar meus votos no teu whats (nunca sei escrever esta droga de palavra). Isto é só um desabafo, segura...
Mas estava pensando, tá difícil falar em mente sã e corpo são, parece que tudo se torna irritante diante da pandemia, meu ciático relincha desesperadamente. A voz da apresentadora do nosso jornal me irrita, o cachorro berrando termina com os meus nervos e o frio me detona de vez. A pia e o fogão estão me matando devagarinho, sadicamente, em doses homeopáticas, bem como o pingo da torneira do lavabo. O fio do aspirador é meio curto, tenho que ficar trocando de tomada toda hora, a vontade é pegar um martelo e resolver o problema dele. Fim da obra, mas a minha vontade era voar com os dois pedreiros na base da vassourada. O canalha do pingo do lavabo continua, não deixei entrarem para consertar. O cabo do rodo quebrou quando eu estava em ação, achei que ia ser transpassada no peito pelo cabão, cheguei à conclusão que odeio o rodo e o pingo do lavabo. Odeio também construção civil e pedreiros. Passei esfregando tudo sem parar, o pó de cimento grudou até no cérebro, odeio ter que esfregar tudo. Para variar, entrei no banho sem levar toalha, era só um “friozinho” de 8 graus, fresquinho aqui, na saída do banho ensaiei um pé para fora do box e desisti, tentei o outro e não deu, cantei parte do “Segura na mão de Deus e vai”, para manter a calma de sempre. O vento vem geralmente por baixo, covardia pura... e parece que vai se agarrando na gente até a nuca. No banheiro eu tinha somente um bosta seca de um chambre – que só vai até o joelho – e uma toalha de rosto, tive que criar estratégias para ir até o quarto pegar a infeliz da toalhona. Eu estava com vontade de me dar na cara, mas mantive o gabarito, sabes da minha calma. Esqueci do resto do “Segura na mão de Deus”, parei no “e vai....”. Odeio quando esqueço a letra do “Segura na mão de Deus”. Mas todo o inverno acontece isto, num belo dia, sempre esqueço a “infelízia” da toalha no quarto. O problema é que sofremos de pés, canelas e nádegas geladas, a impressão é que tem uma placa de gelo grudada atrás e nunca solta. Pensei em deitar no chão e ir rastejando até o quarto pegar a cretina da toalha, mas nunca se sabe, ao certo, por onde o vento vai atacar, vi que esta não seria a melhor tática. O pé direito da casa é muito alto e há poucas paredes. É a típica casa para quem mora no Saara, na Faixa de Gaza, na Namíbia, em Bali, no deserto do Atacama, menos em Porto Alegre. Mas sobrevivi. Ainda uso a boa e velha manobra da formona de pudim afogada no álcool, para aquecer o banheiro. Acho que nos desapegos e descarregos de fim de ano a minha forma, de mais de vinte anos, se foi, odeio quando começo a botar coisas fora. Reconheço que sou uma saudosista, mas a forma de pudim em labaredas sempre deu certo. Creio firmemente que numa outra vida devo ter sido parente de Nero, odeio Nero também. Nem sei por que falei tanta asneira, deve ser este vírus do *caramba (viu só, dei para falar *cariúca, além do gauchês), que está me deixando maluca. Odeio o vírus também.
Mas é isto, foi só um desabafo. Por enquanto, beijo.
Piqueni