CARTA COM ENDEREÇO
À Maria desbotada, sem letra e sem cor...
A coisa atraca em meu porto quando a noite cai, adentra sem pedir licença, sem retirar suas sandálias imundas da merda por onde pisa. Chega cheia de rompante, sem ser convidada.
Ela vem de uma terra triste, onde andar nua é coisa de gente do bem. Tem em sua linguagem absurda, virações, arrebatamentos e linguagem chula em nome do deus mito.
A Maria desbotada não tem dentes e nem dentaduras, come queijo podre e arrota caviar, mas não consegue esconder sua dor que saltam aos olhos, e que ela insiste em negar.
A fome ronda seu estômago vazio que recebe a dose à conta gotas, mas Maria insiste em não largar a mão que aperta-lhe o pescoço impedindo-a de respirar.
E em meio a minha sala eu assisto essa cena triste, vejo-a esbravejar feito um cão faminto e sarnento. Vai pra Cuba! Vai pra Venezuela! Vai passar umas férias lá!
Que lamento! Não lamento!
Quanta pobreza de espírito!
Sua gritaria pequena diz mais dela do que quer dizer...
Volto o olhar para o meu cais, para minha poesia molhada de esperas para esse tempo passar, vai passar. Existirá outra forma de amor, outros caminhos, outros horizontes, outros tempos...
A Maria louca que adentra meu espaço sem pedir vai passar. Vão passar os pobres moços pobres que pensam ser o que não são. Vão passar todos esses farrapos que não passam de fiapos, vão passar como passam os sois, as luas, cada grão de areia e a aragem do vento...
Todos vão passar.
Vai passar Maria louca!
Vai passar!
A cobra está entre veredas e floradas, invernos, tempestades e primaveras... Quantas peles e esperas e outonos para entender...
Outros verões vão chegar.
Maria louca, vai “Bostejar entre os seus iguais”
FIM
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a regra é clara: pacífico é o oceano. comigo é "não mexe com quem tá quieto".