A Josué Montello
Meu admirável Josué Montello,
Há anos, percebi numa de suas cartas, a mim destinadas, a necessidade de contar-lhe as minhas peripécias e labores em minha vida, os meus sucessos e insucessos. Aqui tu vais encontrar o Damião jovem e maduro. Lança-te a esta narrativa:
Nasci na cidade de Penalva, cidade antiga e retrógrada, numa casa de pau a pique, com o teto de palha, repleta de goteiras felizes nos tempos pluviais, a 03 de abril de 1959, por volta das 3 horas da madrugada chuvosa e friorenta.
Filho de uma mulher do interior maranhense, cheia de vigor e tendência aos trabalhos braçais, nunca me submeti aos labores da roça nem da pesca, pois tinha ao meu alcance os livros que a minha mãe encontrava pelas cidades em que desempenhava o ofício de dançarina do bumba-meu-boi. Ela era alta, sobrancelhas espessas, cabelos cacheados, tez negra retinta e uns olhos azuis, que a faziam sentir-se a Pandora atraente de seus conterrâneos, dentes alvos e branquíssimos como leite em pó, inteligentíssima.
Tive pai nos momentos explosivos da sensualidade humana, porém me deixou segurando vela nas ocasiões peremptórias da vida. Meu amigo, não perca tempo para ouvir histórias desse homem.
Fui educado pela ínfima capacidade intelectual de minha mãe, vindo para a capital maranhense aos 4 anos de idade, ampliando horizontes para a minha determinação medicinal. Formei-me em Medicina com ênfase em Oncologia, tornando-me destaque nas situações mais peremptórias das cirurgias. Viajei por muitos lugares brasileiros e estrangeiros, atualizando-me nos assuntos cirúrgicos, participando de congressos internacionais.
Fiquei paupérrimo, com apenas os trajes do corpo, ao deixar a minha família constituída por três filhos e minha esposa. Esta me tomou tudo, inclusive uma moeda que se encontrava no meu bolso.
Não lhe conto tudo, para não perdermos o gosto da conversa física.
Estou me aproximando de minha cidade natal, a bordo do barco. Até mais!
São Luís, 06 de setembro de 2006