A ÚLTIMA CHAGA - O inimigo mora dentro

De maneira esporádica Rafael ia aos cultos na igreja, mas não tinha sido tocado o suficiente para ter uma transformação verdadeira e profunda. Tentando ajudá-lo ainda com as multas do carro que já se aproximavam dos cinco mil reais, sugeri que ele visse em um banco a possibilidade da mãe dele, ter alguma margem de cartão consignado para os aposentados e pensionistas do INSS. Tendo em vista que já havia batido o pé que não pagaria a dívida, mediante todas as “rés” que eu já havia levado na tentativa de estar sempre ajudando. Mas ainda assim, buscava soluções para o problema do carro, até mesmo porque isso era assunto de quase todos os dias na minha cabeça.

A minha ideia deu certo, ela conseguiu mais um empréstimo para socorrer as besteiras que o filho fazia. Porém o valor ainda não era o suficiente, faltando uma quantia equivalente a um pouco menos da metade da dívida e que a cada mês corriam juros. Foi na tentativa de conseguir o dinheiro restante, que Rafael teve sem me consultar, a brilhante ideia de fazer empréstimos em algum site da internet. E como ele já gostava de um dinheiro fácil e não suado, não imaginava que também existem neste mundo, pessoas como ele e até pior, que inclusive, até ganham a vida assim.

E foi desta forma que ele se achando esperto demais, caiu em um golpe mega ultrapassado, em que acabou fazendo três depósitos no valor aproximado de quinhentos reais em cada um. Sim, ele precisou depositar ainda uma terceira vez para só então perceber que estava sendo enganado. Eu nem me dei o trabalho de dar nenhuma bronca, visto que ele não parava de chorar sentado no chão da varanda. Era surreal a quantidade de vezes que Rafael conseguia dinheiro para solucionar um problema e além de não o resolver, ainda arrumava outros mais. Quando queria sabia pedir, mas na hora de agir e fazer as coisas erradas, não se comunicava.

Ao notar que a situação não se remediava de jeito algum, certa vez entrei em contato com um corretor de imóveis e comentei sobre a possibilidade de adquirir algum imóvel pelas redondezas. Conversei também um pouco sobre o assunto com o meu filho na cozinha e com minha sobrinha pelo WhatsApp. Curiosamente, fui observando alguns comportamentos de Rafael, que ao chegar em casa do trabalho, se dirigia direto para o portão e ficava ouvindo algo no celular sem parecer estar falando com outra pessoa. Para minha surpresa, foi confirmado pela Lena, sua cunhada e patroa a quem ele confidenciava algumas conversas, que ele estava deixando o celular em casa gravando tudo o que eu conversava. A primeira coisa que me veio à mente, foi que de celular para câmeras escondidas não seria algo tão difícil.

Mesmo depois ele tendo dito que não faria mais tal coisa, eu passei a falar do lado de fora da casa, ou dentro do quarto do meu filho com a porta fechada. Eu havia virado uma prisioneira tanto fora, pois dependia dele e do carro para sair, quanto dentro da casa, onde não tinha mais nenhuma privacidade.

Ainda com um pé na igreja e outro no bar, certo dia Rafael passou a madrugada fora de casa para o meu descanso. Pelo menos a noite foi de descanso, pois durante o dia, apareceu com o para-choque do carro solto e com o freio quebrado. Com seu jeito típico rápido de falar, para confundir seus ouvintes e ter mais facilidade em persuadi-los e convencê-los a acreditar nele, disse ter batido em um outro carro por conta do freio que quebrou. Dizia precisar de cento e cinquenta reais para pagar ao motorista no qual danificou o carro. Ele disse que o outro motorista havia ficado com a sua carteira de identidade e que ele tinha marcado até meio-dia daquele dia para ir pagá-lo.

Perguntei onde havia acontecido o ocorrido, ele respondeu que no centro da cidade do lugar onde morávamos. Como eu havia prometido que ele não veria mais um tostão meu, eu disse que daria o dinheiro em troca da bicicleta que sua irmã Márcia havia dado para ele. Era bonita, de cor rosa e valia muito mais que aquele valor. No desespero ele topou e com o carro danificado, pegou a moto de um vizinho emprestada e foi.

Durante a sua ausência eu fiz uma inspeção no carro, havia muita bituca de cigarro, estava malcheiroso e uma verdadeira bagunça como era de praxe quando ele passava a madrugada fora de casa. E durante o instante em que eu fazia a filmagem para ter provas, ele chegava com a moto. Ao chegar notei três coisas: Ele havia demorado mais que o normal para quem havia ido tão perto, voltou com uma garrafa de coca-cola, um maço de cigarro, e não estava usando o celular. E a primeira pergunta que me veio a mente foi aonde ele havia arrumado dinheiro para comprar tais coisas se dei a quantia exata para que ele pagasse ao suposto motorista do outro carro?

Fiz a pergunta a ele que estava inquieto andando de um lado para o outro e fumando, que era o jeito como ficava quando tinha feito alguma besteira. Ele disse que tinha um dinheiro sobrando e passou na loja de conveniência e comprou. Perguntei onde estava o celular dele, e como resposta disse ter esquecido na mesma loja de conveniência. Eu estranhei de cara, visto que a tal loja mencionada por ele não costumava abrir aos domingos, mas fui dando corda para ver até onde ele ia. Sugeri que ligasse para a loja e avisasse o esquecimento e ele respondeu de forma tranquila que não precisaria ligar, pois o rapaz era conhecido dele.

Depois da minha sugestão sobre a ligação, Rafael foi até o quarto do meu filho, pesquisou algo no computador e logo em seguida usou o telefone fixo. Assim que tive oportunidade, fui ao histórico de pesquisas e sua busca tinha sido pelo número do telefone de um bar badalado em outra cidade que não era a nossa. Fiquei insistindo para que ele fosse pegar o celular, mas dizia que o rapaz ia guardar para ele ir buscar à noite. Sendo um dia muito estressante para mim, eu comecei a não me sentir bem. Entrei em contato com o nosso amigo Ivan e pedi se poderia me levar no hospital, visto que o carro estava sem freio. Ele disse estar na igreja, mas disse que iria nos buscar, depois que Rafael conseguiu um conhecido para que nos levasse.

Rafael pediu a Ivan que o levasse para buscar o celular e me deixou sozinha com o meu filho na espera da emergência do hospital. Voltaram e fomos para casa com a carona do Ivan. Enfim, Rafael voltou com o celular, e Ivan posteriormente me confidenciou, fazendo eu prometer segredo, que realmente foram até outra cidade. A mesma cidade e local no qual Rafael havia pesquisado no computador do meu filho. O detalhe mais sórdido foi o de Ivan garantir que viu Rafael pagando apenas cem reais para o rapaz do bar. Ou seja, além de beber a madrugada inteira, deixar o celular como garantia de pagamento para buscar no dia seguinte, ainda quis arrancar de cinquenta reais a mais do meu bolso. Fora a irresponsabilidade de cometer a imprudência de dirigir bêbado, ter quebrado o freio e ter passado com certa velocidade em algum quebra-molas que chegou ao ponto de danificar o para-choque do carro. Essa foi a versão verdadeira, totalmente omitida e distorcida por Rafael.

Depois de muitas broncas que não adiantavam muita coisa, Rafael começou novamente a ir em algumas igrejas, até que se fixou em uma. Me chamava para ir aos cultos e inclusive chegou a levar meu filho duas vezes com ele. Também mencionou algumas vezes que havia uma menina bonita dos olhos azuis que não tirava os olhos dele durante o culto. Eu não ia porque eu sabia que se fosse frequentar teria que seguir as doutrinas dos homens, e no ônibus em que ele estava acabando de embarcar eu já dirigia fazia muito tempo. Mas, prometia ir visitar, visto que isso para mim não era problema algum, esperando apenas estar com a mente mais descansada, visto que os dias em que ele ia para a igreja à noite, eram nestes que eu podia ficar um pouco mais à vontade em casa.

Chegou levar alguns membros da igreja em casa, e em uma dessas vezes, a mãe dele estava presente e até aceitou Jesus. E como todo bom “convertido”, tudo vira culpa do inimigo, então passou a ser o inimigo para lá e o inimigo para cá... E eu não queria ter que passar as minhas experiências para não o confundir como iniciante, mas também não queria ter que conviver diariamente com as falácias das quais eu tinha uma visão totalmente amadurecida. Resumindo, Rafael estava entrando para a caixa que eu levei anos de estudo e reflexão para sair de dentro dela.

Rafael passou a beber cerveja sem álcool, porém, não largou o vício do cigarro. Percebi que procurava manter a calma e deixar transparecer para os outros, como fazia desde o início, que estava tudo bem e que de fato éramos uma família feliz. Enquanto com a minha intuição apurada, notei que a verdadeira intenção, era mostrar que ele estava mudando e fazendo de tudo para corrigir os seus erros, e eu quem não queria ou estava relutante em seguir ao seu lado. O teor da história não mudou muito, ele era o santo bondoso e eu a rabugenta maquiavélica que se prestou o trabalho de mudar toda uma vida só para ter o prazer de ir destruir a vida dele e da sua bondosa e santíssima mãe.

Por esses e outros motivos é que eu evitava visitar os seus familiares e amigos, pois já estava tão difamada e com a imagem tão desgastada por todas as mentiras inventadas e histórias distorcidas por ele, que eu já nem fazia a mínima questão de dar explicações ou me esforçar para provar o contrário. A minha consciência me tranquilizava por saber que tentei dar o meu melhor, porém me culpava por ter pagado um preço muito alto e ter envolvido tantas pessoas por causa de um passo (em falso?) que dei, e que o destino ainda não revelou o seu propósito final. Este contexto já está finalizado para mim, mas a estrada continua e parte turbulenta dela, fica cada vez mais para trás no decorrer dos dias em que transcrevo a última chaga a ser vivida na linha do meu destino.

(Continua...)