Carta para uma Nobre Senhora: Segunda epístola

Saudações! Ó Nobre Senhora Tristeza

     É com muito esforço que venho ter convosco hoje para falar tudo que tenho pensado a seu respeito.
     Faz um tempo que eu tenho percebido as suas visitas cada vez mais frequentes e duradouras. Constantes até demais. Você não é como a felicidade que “normalmente faz visitas muito curtas”, como disse o Poeta. Vossa Senhoria gosta de entrar, sentar, tomar chá e ainda, sem que lhe seja feito nenhum convite, ser minha hóspede. Mesmo que eu a receba a contragosto.
     
Parando para analisar bem a minha vida, penso que a deusa Tique deve ter feito algum pacto com a deusa da tristeza, Óyzus. Ou, se não foi um pacto, creio que as forças da deusa da fortuna são bem menores do que as desta última, posto que eu tenho sentido mais a presença da segunda que da primeira.
     
     Nem vou falar sobre os infortúnios do amor. Eros não é lá muito meu amigo. Mas, bem que ele podia me dar uma trégua... Já disse que reconheço que ele existe. Já admiti que sei que a culpa é dele. Que ele é o único culpado de tudo que me acontece. E eu acho que devo ter deixado ele chateado. Mas isso não importa. Afinal, é perfeitamente possível viver sem amor. Tanta gente que não ama e vivi. Se bombear vive até melhor do que quem ama. Aprende logo a pisar nos corações, a rejeitar, ignorar e vive tranquilamente bem.

     Bom! Afora os deuses e os seus poderes manipuladores, eu venho falar sobre a conduta da Vossa senhoria.
     Venho lhe perguntar se não tem nada melhor para fazer... Outras pessoas para visitar...
     Por que não visita alguém que está pensando em fazer o mal aos outros? Alguém que é egoísta e está tão feliz com o mal alheio que precisa experimentar um pouco de você pra ver o que “é bom pra tosse” e assim, deixar a vida dos outros em paz?

     Aliás! Por que não me abandona de vez e também me deixa em paz? O que eu fiz, além de nascer, pra merecer que me visite tanto assim? Por que limpar os seus pés em meu coração pelego, fazer morada nos meus pensamentos e me impedir de sorrir tantas vezes eu quero e preciso?

     Eu não vou lamentar aqui a minha sorte só para convencê-la de que não mereço a sua atenção. Sei que já sabe de tudo sobre mim. E sabe também que não devia ocupar tanto espaço na minha vida. Já devia ter se contentado com tudo que me tirou quando eu ainda era uma criança. Quando me roubou o meu pai, me fez ouvir piadinhas das outras crianças que tinham sua família inteira...
     Eu me lembro de quando era época de festas e só eu não tinha roupa, e calçado e dinheiro para ir brincar no parque. Eu ficava só olhando a roda gigante, os cavalinhos do carrossel, os barcos... Eu via as outras crianças com seus pais participando daquilo tudo e eu à parte, só olhando... Desde aquela época Vossa Senhoria já era cruel comigo. Por quê?

     Por que povoou tanto o meu imaginário infantil e adolescente? Por que fez a minha poesia ser tão triste? Por que influenciou tanto a minha vida a ponto de eu nunca poder ser otimista como eu gostaria?
   
     As pessoas não entendem porque eu, tendo tantas coisas materiais, e aparentemente toda a sorte que muitas delas não têm, ainda reclamo. E para falar a verdade nem eu sei o que acontece comigo, por isso estou lhe escrevendo esta carta.
    
     Por que eu não consigo ver com alegria aquilo que normalmente algumas pessoas fazem? Não sei o que acontece comigo, mas mesmo quando algo que eu queria muito que acontecesse aconteceu eu me senti assim tão triste... Juro que não entendo isso. Eu fantasiei tanto esse momento! Sonhei tanto que seria prazeroso... Alegre... Mas é tão tenso... Tão triste e doloroso...
    
     O que eu devo fazer para que você possa ir embora e me deixar em paz? E quando eu digo em paz, eu digo livre de lembranças, sem saudades, sem remorsos, sem nada...
     Eu quero poder ver a beleza das coisas simples. Quero sorrir para o meu amor só por saber que ele existe. Quero exultar de felicidade só por saber que ele está ao meu lado, mesmo que não seja comigo. Quero ficar alegre só em lembrar que ele está “por aí”. Fazendo o que gosta e com quem gosta...
     
     A bem da verdade eu sempre soube que ele estava por aí, mas agora eu sei mais... Graças a você agora eu sei que ele podia estar aqui, mas eu o deixo triste. E é por isso que ele não vem me ver... E eu, ao contrário de você, não suporto saber que alguém fica triste perto de mim. Não quero ser a causa da tristeza de ninguém... Então lhe faço um apelo poético:

           Tristeza

Eu quero lhe pedir que vá embora
Quero ver você sair daqui de dentro
Vou lhe botar de porta a fora
Não vou mais ser sua morada.
Você nunca foi visita desejada.
Eu não vou mais lhe abrir a porta
Nem de noite nem de dia
Essa foi a sua última estadia.
E não precisa se preocupar com a sua conta...
Ela já está paga e encerrada.
A sua mala já está pronta
Pega e põe o pé na estrada.
Eu já convidei a alegria para a próxima temporada.
Quero fazer uma limpeza e deixar o quarto de hóspede arejado
Pois sei que resta uma opção para o meu fraco coração:
Estar só e não mal acompanhado...

Eu não tô aqui pra sofrer... Vou sentir saudades pra quê?
Quero ser feliz! Bay Bay Tristeza! Não precisa voltar... (Tim Maia)

Adriribeiro/@adri.poesias
Adriribeiro
Enviado por Adriribeiro em 25/03/2021
Reeditado em 25/03/2021
Código do texto: T7215229
Classificação de conteúdo: seguro
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