CARTA DE UM FILHO DESCONHECIDO
Meu bem amado
A ti que nunca me conhecestes, é só a ti que quero me dirigir, é a ti que pela primeira vez direi tudo.
Se tencionares, ficarás conhecendo a minha vida, que sempre te pertenceu.
Dizem que hoje é dia dos pais, parabéns! Deponho um beijo para o senhor.
Queria morrer primeiro, só assim saberias quem eu sou, mas estes segredos são teus.
Sei que no fundo sabes do que estou a falar.
Se não receber esta carta, é porque terei preferido rasgar ou queimá-la.
Quer que eu fale da minha infância?
Não mereces saber isso..
Eu vivia como perdido na nossa mediocridade.
Tu nunca soubeste o meu nome!
Todas as noites fui obrigado a pensar em ti, muitas vezes fui forçado a adivinhar como
seria o teu rosto.
Via-te sobre o aspecto de um homem de idade, com óculos e
uma grande barba branca.
Andei muito a roda da tua vida e da
tua existência.
Imaginei como serias. Alto ou baixinho, como seriam nossos passeadouros, nossas brincadeiras de pai e filho?
Como homem que eu sou, penso que nem deveria estar a te grafar isso. Não tive nenhuma infância com o meu pai, não o conheci, cresci sem saber o que era felicidade. Numa noite triste perdi meu avô, os homens o mataram, fiquei traumatizado.
Aquele sim foi meu pai, tudo que aproveitei e aprendi com o meu avô, me fez homem.
Terei necessidade de te dizer onde fui educado, como medrei e sobrevivi para chegar a essa idade?
Ver-te uma só vez, encontrar-te uma só vez era o meu único desejo quando cheguei em Maputo.
Durante esses 25 anos que passei sem nenhum sinal seu, vivia cativo como uma raposa no seio da comunidade.
Sei que nunca fui a coisa alarmada para ti, de mim sempre tiveste informação e sempre se recusou a aceitar ou assumir.
Eu, pelo contrário, durante estes longos anos te ocultei a minha
existência porque não sabia onde te encontrar. Falo-te hoje porque estás estendido, adormecido nas trevas ou talvez te reste pouco tempo para partir e não voltar mais.
Realmente, sou um sujeito anônimo nascido fortuitamente. Por ti, infiel, fui abandonado. Nunca me reconheci como seu pedaço.
Sinto que nem a ti próprio te conheces.
Sabes o meu maior orgulho? Queria que pensasses em mim todos os dias, ser o único e primeiro pedaço amável, aquele amor filial, só nós, somente nós. Mas na verdade nunca pensaste em mim.
Sou muito grande sim, não te acuso, meu senhor, não te acuso.
Nunca o meu amor por ti sofreu uma censura da minha parte.
Foi duro quando ainda criança, mas fui iluminado e percebi a grandiosidade do perdão e a existência de um pai celestial que nos ama.
Amei-te. Sempre te amei. Mesmo sem conhecer-te.
Aliás, nem te exijo que me conheças, o amor paterno é insubstituível.
Eu atravessaria de novo o inferno deste sofrimento só para não ter sua mágoa.
Tenho medo da palavra inferno. Não quero ouvir falar dela.
Realmente existe inferno aqui na terra, eu sofri tanto.
Durante 25 anos não te dirigi
nenhuma palavra. Mas pude-te escrever 14 cartas que nunca recebeste porque eu não sabia para onde mandar. Esta é décima quinta, por sorte estara nas suas mãos em breve. Mas não é a ti que eu acuso. Não te acuso, Mesmo na hora em que meu corpo se estremecia com dores, nunca te acusei..
QUERIA APENAS DIZER QUE FOI TÃO BOM TER SIDO ESTE PAI ALUGADO PARA MIM.