Carta IX - à Poesia

Carta IX - À Poesia!

Delasnieve Daspet

Toca ao longe o sino... Um chamado...

Toca o sino da igreja. Seis horas. É o sinal para que a natureza se troque.

O sol se esconde na mata dando lugar a noite que chega com todos os seus matizes de negro-dourado, resquício de um último raio de sol.

Ao longe, ainda ouço os pássaros... Pardais, pequenos e céleres pardais que correm em busca de um último grão. Bem-te-vis - charmosos envergando sua vistosa roupagem amarela e contando a todos que viu... mas eu tenho certeza de que nada viu, apenas imagina!

O Sabiá... o seu canto de final de dia é maravilhoso...suave, saudoso. E mais longe grita o Urutau - chamando a lua, que por causa das nuvens tarda o seu chegar. O calor ainda é forte... e as cigarras confirmam que este ano será ainda pior...

De minha varando aguardo a noite... ela vem de mansinho; mergulho em suas brumas; me abraço em suas cortinas e, olhando através das estrelas que brilham tímidas, recordo...

Pego a caneta e o papel e começo a carta. Carta que não finda.

Antes - perfumo o papel com uma gota de anais anais - na esperança que a brisa me leve a ti...

Em tempos de e-mails- as cartas perderam a razão de ser...mas como eu gosto, escrevo-as!

Quantas coisas tenho a dizer... podia ligar, podia sim! Mas não seria a mesma coisa - pois tem coisas que só se diz numa carta.

Tem tanta coisa que queria contar - as perdas, inúmeras...

Ganhos, também, foram muitos... !

Tenho conhecido pessoas - tantas - algumas verdadeiras poeiras de beira-rio... outras tão profundas que nem Cícero as descreveria em seus memoráveis discursos, outros ainda, - tão complexos seres...

Mas não perdi a manias e as idealizo, por conta disso, tenho me quebrado além do devido.

Quero falar com alguém, perguntar o que acha, mas ao lado - quando olho - não estás!

Por isso o papel e a caneta me fazem tanta falta pois com eles conto o que quero, dobro e mando...

Na carta os meus sentimentos, as minhas emoções fluem desavergonhadas, sem quaisquer censuras...

E ainda que não tenha todo o tempo do mundo sempre espero cartas...

Espero-as como espero, no findar do dia, os versos do anoitecer...

Falando em versos, amanhã é o dia do poesia.

Poeta é um ser ambíguo... sofre, chora, sorri na mesma hora, e, moldando as palavras - nos faz, também, sonhar, sorrir e sofrer.

Poesia e mulher são iguais em se tratando de dia. Todo dia e dia de poesia, e, é dia da mulher.

E se é dia de poesia e da mulher- é também, dia do homem, já que o masculino e o feminino coexistem todo o tempo. Existimos!

Já se faz tarde e não vens....

Não demores a vir - poesia, não demores a vir, os dias são longos e as noites eternas sem a tua presença em mim.

Campo Grande-MS, 13 de março de 2006.

https://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=23099&cat=Cartas&vinda=S