Carta a um amigo distante

Não te parece, amigo distante, que o mundo, como numa espécie de marcha a ré, tem se mostrado estranho? Será sintoma de normalidade que um dirigente se regozije com tanta dor e sofrimento? Será que se pode predizer - e nisso se segue um profundo lamento com a espécie humana, não, e nem em menor escala, um certo temor do que possa isso significar. Alcançamos o mais baixo grau do senso humano? Atingimos a possibilidade de revisitar tempos idos, quando a escuridão das trevas se fez presente e forte? Talvez...sim, talvez, porque a certeza é a sepultura dos irresponsáveis, que o quadro que se apresenta seja, nada mais, nada menos, do que sintoma do quanto nós, sim, nós, os racionais, os "a semelhança de Deus", estejamos a mostrar o lado de nossa triste figura. Porque a realidade, disforma e disfuncional, já se apresenta tenebosa e insolúvel. Deus, o mesmo que volta e meia é chamado a se apresentar, se soubesse Ele que Sua obra... (desculpe o riso. Não rio de Deus - nem acredito que exista -, mas dos hipócritas que a ele recorrem com facas à mão, prontos para atacar o primeiro morador de rua), sim, Sua primorosa obra, tenha saído com sérios defeitos? Não te parece, amigo, que, do jeito que as coisas vão, tão logo, bem antes de abrirmos os olhos, esperemos o Novo dia, ele já nasça vencido e com fungos? Ou..., mais lamentável ainda, já se apresente com tanta toxina que ao menor contato, coloque em risco irreversível qualquer possibilidade de aprimoramento? Pois é, mas, nada é, diria o eterno cético que não se curva às crenças, às quaisquer crenças, sejam elas fundadas e fundamentadas em prenúncios religiosos ou mesmos em programas partidários. Nada é, porque, ao fim, ao cabo, tudo dá no mesmo. Ou seja, cada qual, por modos diferentes, e com promessas diferentes, cada qual, busca chegar a seu grupo. Os partidos, através, e pela Política, procuram seu público, cuja conquista se direciona ao Estado. É no Estado, e pela Política, que o sujeito se realiza e se qualifica para o aperfeiçoamento das demandas que nascem e se reproduzem. Com relação aos pressupostos religiosos, parece ser de mais fácil compreenção, afinal, se no Estado é o corpo que se pretende atingir com promessas de melhores condições mataerias de vida, o pressuposto religioso aponta, com a certeza de que assim será, que forlecer o Espírito é a garantia de uma vida espiritual mais primissora e digna de estar ao lado de Deus. Ou seja, as más condições materiais de vida, as desigualdades, as injustiças, são demandas do homem do mundo, do homem terreno. Todavia, se considerar que o pressuposto religioso determina que é ao Espírito que se deve dirigir as energias, nada, absolutamente nada, que se refere ao corpo, merece ser motivo de preocupação; é o Espirito que interessa. Diga, meu distante amigo, não te parece que, tanto um, como outro pressuposto, isto é, pensar politicamente, ou só religiosamente, as sutilezas da vida, assim sem meias possibilidades, sem cruzamentos, sem olhares mútuos e recíprocos, para as questões humanas, deslocam a, ou, às argumentações para campos de saberes que poderiam ser complementares, ou, ao menos, serem dispostos á mesa e deixados para àqueles que queiram entender nossa condição humana? Todavia, me desculpe, não poderia ir embora sem antes fazer essa última colocação: que nome você daria a quem, avesso, isto é, que ignora o que vem ocorrendo com a espécime humana, como num espetáculo de horror, possa rir com tantas lágrimas. É normal, é esperado, diga, meu amigo, que exista alguém tão insensível assim, tão sorumbático, tão macambúzio, que nada, absolutamente nada, possa atrair a atenção de quem se lança dirigente? Terá havido, como um catacombe, um tutsiname moral, que nada será mais importante que suas precárias e nefastas relações? Terá a vida e a história, nossa precária história, nos reservado, como uma espécime de castigo, tanta castastrofe em tão pouco tempo, isto é, sem considerar a escravidão que, penso, ser o marco zero da estupidez humana, que, acredite, na minha precária e deficitária visão de mundo, nunca tinha visto, nem vivido, tamanha cegueira. Enfim, querido amigo distante, aqui vou, sem eira, nem beira, trôpego às vez, é verdade, porém, apaixonado, deslumbrado, rejuvenecido, quando saio à rua e me deparo, como se um presente enviado, com uma criança que sorri ou um beija-flor, beijando a flor.