NOTÍCIAS ENTRE O VENTO E A CHUVA

(para Lígia Antunes Leivas, em Pelotas)

Querida presidenta da nossa Academia dos Três Estados do Sul! Escrevo-te do Passo de Torres, divisa entre SC e o RS: uma aldeia de pescadores à margem esquerda do Rio Mampituba, com trapiches de pesca e monturos muito alvos, esbatida pelo vento e mar, entre molhes e o Oceano Atlântico.

Aqui é a minha “Pasargada”, o meu sítio de areias pra todo o lado, sapos e grilos, solidão e livros. Alguns miados de gatos, graxains escondidos em casas desabitadas e grunhidos de cães ainda chorosos de vir ao mundo, como a cadelinha de dois meses que esteve alegrando a casa por algumas horas, mijando tudo, e depois se foi pelas mãos do pedreiro que ficara só em casa e a teve de trazer para a faina diária.

Há ainda alguns lagartos no campinho sujo de defronte, que a prefeitura local teima em não molestar os proprietários. Talvez por serem eles de alto poder aquisitivo e a “prefa” necessitar do pagamento de seus impostos territoriais. Mas os detritos acumulados no terreno baldio produzem muitas flores, que enquanto estavam nos jardins das casas não floresceram.

Neste momento, entre os inços, cascotes de tijolos e tijoletas e uma viçosa e verdinha mamona, me olham de frente e sem nenhum pejo algumas rosas tardias e uma flor comprida que parece um pescoço de girafa, mas que se torna linda pela aberta flor colorida de um vermelho que há muito eu não via nos jardins da grande cidade, que é o meu circo de cotidianas vivências. A flor está toda descabelada e teima em ficar no topo do pescoço da planta estranha a que chamam de “palma”, enquanto o vento teima em não deixá-la quieta.

Curiosa e estramboticamente “Pasargada” é o nome do bairro em que me escondo da algaravia da grande cidade. E o povo simples, na sua mastigada linguagem, chama o lugar de “Bazarca”. O nome deve ser coisa de algum maluco tipo eu que um dia, segundo dizem, há mais de quarenta anos, veio com este estranho nome de “Bazarca”. Coisas de “enamorados” pelo local e por sua agreste beleza...

São as naturais corruptelas para as coisas difíceis de pronunciar, de se comunicar... E, inusitadamente, nesta soleira de ventos (e de algum olho de sol escaldante, na primavera) em mim as palavras se soltam e dançam no monitor desta máquina fofoqueira de novidades.

Talvez a similitude poética digna de Manuel Bandeira, o poeta pernambucano de “Vou-me embora pra Pasargada/ lá sou amigo do Rei/ lá terei a mulher que eu quero/ na cama que escolherei...”.

Agora, com o notebook, fica menos difícil a solidão de vento e chuvas...

Viemos a dois dias de Laguna, onde estive trabalhando em dois prefácios: um para autor do RS e outro da BA, ambos de poemas. Aqui rendo mais na escrita. A verve se manifesta sem grilos e reticências...

Tirei uns dias para curtir com a Déia, que voltou “estropiada” de tanto cansaço da Bahia de Todos os Santos. Esteve lá, ao sabor das palmeiras e do calor durante mais de cinco meses, estagiando em sua área de Radiologia.

O frio e os ventos do Sul fazem dano ao seu espírito... Mas está curtindo a casa da praia, o nosso chalé hibernal nesta cidadezinha de cinco mil habitantes... O vento sacode as janelas e há miados de gatos e cães com fome e frio, lá fora... Chiiiiii, já comecei a fazer poema...

Viu no que dá quando se fala com alguém inteligente e que estimula a gente a escrever? Enfim, quando se fala a alguém que cochicha a mesma linguagem de amor... Sempre agradecerei (e nunca me cansarei) pelo estímulo que me ofertas com os teus comentários no Recanto das Letras e no Orkut. A NET é um bom instrumento para vencer a solidão que tem todo o escritor...

Volto a Porto somente no dia 05 próximo para me engajar na parte operacional do Projeto 24 Horas de Poesia pela Paz & Justiça Social: planejamento e detalhes de execução da recepção de mais de 200 poetas de todo o país, ao que tudo indica. Nos dias 09 e 10 estaremos em vigília a noite inteira, lambuzando-nos de amor ao coletivo... Hosanas à Poesia!

Foi tudo bem em Santa Catarina, em sua capital interessante e famélica de novidades...

Isaac Pilatti está bem, mas não nos vimos pessoalmente nesta última estada. Estive com o Hoyêdo e sua mulher, a poetisa Zenilda Lins, num vernissage em casa de Liana Brandão, na Ilha. O sarau poético-cantante foi muito bem e pleno de gente alegre e interessada. Alguns até... de guaiaca repleta de patacas... Isto diria o Simões Lopes, acaso estivesse conosco. E Blau Nunes falaria, espantado: - Tenho visto!

Em Balneário Camboriú estivemos com o artista plástico e poeta de largueza, o Rodrigo de Haro, que expunha localmente a sua obra pictórica.

Estive num encontro do Grupo de Poetas Livres, que tem 10 anos, e edita a Revista VENTOS DO SUL, já em 28ª edição. Representei a ASBL e fiz uso da palavra explicando as razões da existência de nosso sodalício, o qual integra os catarinenses e paranaenses, além de nós, os torrões do frio sulino. Percebi que ficaram agradecidos pela presença de um acadêmico em seu meio de amadores.

Peço perdão pela minha ausência na Feira do Livro. Fiquei curioso ao saber do teu livro de poemas "TODAS AS PALAVRAS"... Estou presente em espírito contigo e com o pessoal que é nosso amigo e que te prestigiará. Peço mil escusas...

Um grande beijo do poetinha que, à distância física, se diz presente pelo coração, pelo milagre do amor aos seus e pela saudade.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006 /2007.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/719368