A ÚLTIMA CHAGA - Flashbacks perturbadores

O enterro do pai do Júnior aconteceu e eu não fui por diversos motivos e dois deles em destaque. O primeiro que eu não me sentia à vontade com a recepção da sua família e segundo por meu filho estar adoentado e com febre na época. Mas, em nenhum dentre os outros motivos, foi por conta única e exclusiva de Rafael, sendo claro que, a presença dele na minha vida perturbava demais a minha mente, mas ainda assim, não era um empecilho.

Passou o dia do enterro e eu não consegui ligar para Júnior, minha mente estava extremamente à mil com lembranças perturbadoras que me deixavam sem saber o que fazer e dizer. Como eu iria explicar tantas coisas no dia do enterro do seu pai? Ainda assim, no final da noite ele me ligou, conversamos um período de tempo. Ele entendeu minha posição, mas nunca a aceitou e eu também não aceitaria estando no lugar dele. Mas, também não aceitei e nem queria aceitar o que estaria por vir em nosso relacionamento, estando na minha pele. Ah, aquele terraço... Nunca irei esquecê-lo, pois ficava no terceiro andar da sua casa e tivemos bons momentos ali. Até jogou dama com meu filho e era de onde ele me telefonava durante à noite. Era fresco, arejado e tinha uma bela visão, tanto do céu, quantos dos apartamentos ao redor.

Simplesmente aconteceria tudo de novo... Eu via de longe a posição e a responsabilidade que Júnior teria que passar a ter ao assumir o patriarcado da família. Vendo a rejeição da sua família em relação à mim, eu não queria ter que lutar por algo que eu não queria mais ter que fazer na vida. Provar o meu valor para pessoas que já de cara não demonstravam exercer nenhum tipo de empatia, e que estavam em momentos tão turbulentos. Eu estava extremamente esgotada de guerrear as guerras de outras pessoas, tendo as minhas próprias que já não eram poucas. Pedir descanso e paz era muito? Ou alguém que lutasse comigo ao meu lado?

Júnior sempre deixou claro em seus argumentos que o relacionamento era entre eu e ele e que eu não tinha que ter deixado de ir ao enterro do seu pai por conta da sua família. E que ele não esteve ao meu lado nos tantos que já velei, por não estar na minha vida em tais épocas. Estes meus relatos se encontram aqui sob o título "ENTRE SORRISOS E LÁGRIMAS".

Eu sempre concordei com ele, e sempre disse que queria muito estar, e me doeu além de não estar ao seu lado, não poder me despedir do meu sogro que me tratou tão bem. Não nego que não fui porque escolhi não ir, mesmo havendo as desculpas. Não fui porque, de fato, já estava querendo pensar em mim. Ser egoísta como ele disse. Hoje ele entende porque existem momentos que precisamos ou temos que ser assim, pois quando quase morremos, o nosso olhar muda diante da vida.

Estava cansada de dar prioridades aos problemas dos que me pediam afeto, ajuda e nunca ser a prioridade para ninguém. Meus ex sempre tinham pessoas, que chegavam antes de mim em suas vidas, e nelas ficavam ancoradas, impedindo os mesmos de seguirem em frente. Ou eram as suas ex, ou eram suas mães, ou eram suas filhas, ou eram suas irmãs... Perdi a conta de quantos animei, incentivei, elevei a autoestima, dei esperanças, e não consigo contar um que tenha dito que voaria comigo, dando asas aos meus sonhos. Eu sempre me via na figura de um balão cheio de gás, preso por um fita à uma âncora, e que me recusava a afundar. Eu tinha um filho pequeno, minha prioridade tinha que ser ele também. Aliás, já tinha passado da hora de eu começar a colocar isso em prática.

No dia seguinte ao enterro, uma vizinha me convidou para um chá de mulheres em sua igreja. Fazia anos que eu não pisava em uma igreja, porque não sigo mais nenhuma instituição religiosa, o que nunca fez que minha fé em Deus diminuísse, ou o amor Dele por mim. Mas, depois de tantas rejeições aos convites dela, esse eu resolvi aceitar, para estar em um lugar onde estando com pessoas reunidas na sua fé, eu tinha a esperança de obter com mais facilidade uma orientação para os tantos dilemas internos.

Foi uma noite agradável e postei uma foto com essa minha vizinha no meu facebook e apesar da aparência abatida, fui terrivelmente julgada pelo aquele amigo de Júnior que fomos visitar no natal. Disse achar um absurdo eu ir à uma festa e não ter ido ao enterro do pai do seu amigo e pra descascar os outros sem conhecimento dos fatos, da pior forma (e é sempre assim), descobri que esse cara é o melhor. E creio que na vida dele, só seja melhor nisso mesmo, julgar a vida alheia sem nunca ter caminhado uma milha com os sapatos de seus réus e geralmente culpados. Começou então a fazer a cabeça de Júnior contra mim, mas ainda assim, Júnior sentia que com todos os meus problemas, eu o amava, e isso de fato, era verdadeiro. Júnior podia se fazer de bobo muitas vezes, mas se tinha algo que ele não era é ser burro, e das fezes que se fez de burro, foi para enganar a ele mesmo.

Júnior nesta época trabalhava no Centro do Rio de Janeiro, antes de assumir o negócio que seu pai deixou para a família. E tinha por hábito me ligar todos os dias no seu horário de almoço e naquele dia não foi diferente. Tivemos uma conversa muito difícil, devido às circunstâncias e por causa delas. Eu precisei ainda com o coração partido terminar o namoro, alegando não ver futuro para nós. Que sentia muito, que também estava sofrendo muito, mas eu via que Júnior não tinha voz ativa em sua própria casa, a qual era o meu sonho de fazer parte. Não queria que ele largasse a mãe e a irmã nunca. Eu só queria ter sido aceita e de preferência sem precisar lutar mais do que já havia lutado na minha vida. Júnior era seis anos mais novo, além de ter muito mais disposição, o terreno complicado a ser resolvido era da parte dele, e não da minha.

Eu até hoje não sei afirmar se tive que ser forte ou se fui muito fraca ao tomar a decisão de terminar, mas fria eu nunca fui. Choramos muito, e depois de alguns dias precisei excluir Júnior do meu facebook. Ele não aceitou muito e me fez novamente o pedido de amizade, e meu grande erro foi não ter resistido e ter aceitado de volta. Minha natureza sempre foi de exercer empatia, e eu sabia o quanto aquilo tudo estava doendo nele, e também estava em mim, mas se permanecêssemos conectados, me conhecendo como me conheço seria ainda pior no futuro. E o futuro veio só para provar que eu não estava nada errada.

Nessa época eu já havia conhecido uma da irmãs de Rafael, à qual fiquei mais chegada. Ela me dava muita força para ficar com o seu irmão. Isso era terrível na minha cabeça, pois enquanto a irmã do meu namorado me excluía, a do meu futuro namorado me acolhia. Vera ira viajar no ano seguinte para a Itália e apesar de ter outros cinco irmãos, pediu para que eu fosse para a casa deles, de Rafael e sua mãe, e que nada de ruim aconteceria comigo e nem a meu filho.

Para não dizer que iria viver com outra pessoa, disse à Júnior que mudaria de estado, e ficaria na casa de uma amiga que viajaria para a Itália e que cuidaria das coisas dela. Uma pessoa realmente fez este papel para ela, mas não fui eu. Júnior insistiu que eu não fosse, que ficasse, que a gente poderia dar certo juntos, mas eu queria tentar de uma outra forma. Não estava apaixonada por Rafael, estava apenas focada na ideia de dar a virada que sempre esperei que um dia acontecesse. Obviamente, que eu jamais ficaria com alguém também sentir algo por esta pessoa, e apesar da raiva que Rafael despertava em mim, eu sentia carinho por seu lado dócil, que posteriormente veio a se desenvolver em um sentimento estranhamente materno.

Aos poucos Júnior foi retirando nossas fotos do seu facebook, e outras ocultando apenas para ele. Mudou o status para solteiro. Cada registro nosso que era apagado era a ponta de uma lança em meu coração. Sofrimento em doses homeopáticas é uma das piores coisas para se sentir. Tínhamos escolhas, tínhamos outras escolhas, sempre as temos, e eu decidi seguir sem ele na minha vida, mas guardado no meu coração. E essa foi a escolha mais errada de todas que pude fazer, não por decidir seguir, mas por levá-lo comigo.

Por outro lado no meu facebook, as fotos ainda permaneceram lá, apenas ocultei o meu status que fui trocar apenas um pouco depois do meado deste ano. Inclusive, fiz um álbum chamado 'vazio', com as fotos do Boulevard, local do nosso primeiro encontro, no banco aonde nos sentamos e nos beijamos pela primeira vez. Eu mesma reagi como triste, ele nada fez na época. Eu estava piegas, nostálgica e triste. O triângulo equilátero perfeito de uma matemática que desencadearia um resultado logicamente exato.

Esse tema era para falar somente das coisas que me perturbavam naquela época, mas incrivelmente ainda me perturbam hoje, agora, neste exato momento. Em véspera da época que mais festejei com todo o meu coração durante anos da minha vida, seja sozinha, acompanhada ou só com o meu filho. Fiz planos de uma viagem para São Bernardo do Campo, mas desanimei devido à uns exames para descobrir a causa de uma anemia. Também não suporto usar essas máscaras...

Enfim, não preciso escrever para encerrar de vez por todas esse ciclo na minha vida, mas de alguma forma me ajuda. Não é que uma escrita vá fazer isso por mim, talvez devesse estar iniciando outros ciclos por aí... mas essa história já mostra e deixa bem claro, que não consigo iniciar um sem terminar o antigo por completo. Não queria ser, mas eu sou assim...

Às vezes, penso se eu não tivesse ido passar o natal de na casa de Júnior, se as coisas teriam sido diferentes. Mas penso também que por alguma razão as coisas acontecem como precisam acontecer e sempre com um propósito no final. O pai dele nunca teria sido chamado de vô... Se é que isso importava pra eles também. A verdade é que estou cansada de pensar nas pessoas. Esse meu relato está aqui sob o título de "SAUDADES DE CASA". Breve eu fecho a brecha desta porta.

Enfim, durante as férias escolares de julho do meu filho eu fiz a viagem para conhecer pessoalmente Rafael e sua família. Viagem esta que causaria por definitivo a divisão dos sonhos...

(Continua...)