A ÚLTIMA CHAGA - Enfrentando demônios

Nessa época eu e Júnior já havíamos assumido o nosso relacionamento no facebook, mesmo achando que seria cedo demais. Tendo em vista o falecimento do pai do meu filho e mesmo com as pessoas das nossas famílias sabendo que não tínhamos um compromisso. Mas, não resistimos em querer mostrar a nossa felicidade para os amigos e familiares em nossos passeios românticos. Nós não resistimos, porém, encontramos resistências.

Foi uma barra para mim, pois muitos familiares da família do falecido, me criticaram ainda que por muitos anos eu não tivesse assumido um compromisso em minha rede social, pois sempre fui muito discreta em relação aos meus namoros e que eram em sua maioria casuais. Mas com Júnior eu não poupava em esconder a minha felicidade que achava merecida depois de tantos desgostos, dores, decepções, julgamentos e de ajudar pessoas. Achava que era a minha hora de ser feliz e dizia que o destino finalmente era um dos deuses mais lindos como diz a letra de uma canção. Por Júnior aceitei correr os possíveis riscos, e eles vieram com força. Sim, o destino é um deuses mais lindos, mas também é duramente o mais implacável.

A casa onde o pai do meu filho residia não era dele. Em tese sim, mas no papel não. Era um vasto terreno com três casas, onde a que ele residia era de parede colada com a de seu tio, que sempre nos demos muito bem. Bem, pelo menos até o dia em que a ganância cresceu e as máscaras caíram. O terreno e suas casas pertenciam à avó do pai do meu filho, que passou para a mãe do mesmo e que também veio a falecer cerca de dois anos antes de eu ir morar lá. Na teoria a casa era para ser herdada pelo pai do meu filho, mas os seus tios, filhos da sua avó, a reivindicaram mesmo cada um já tendo aonde cair morto. São provas que a vida real nos apresenta sem uma explicação prévia, ou você passa, ou você sucumbe. Essa é a grande escola chamada vida.

Nessa época eu estava pintando a casa, estava animada para mudar o ar da mesma e deixá-la com um aspecto diferente. Inclusive, fazia planos de reformá-la futuramente. Um certo dia cheguei da festinha caipira que teve na escola do meu filho, e pude ouvir uma discussão. Colei o meu ouvido na parede e era o tio do pai do meu filho, falando muito mal de mim para a sua mãe, dizendo que a casa aonde eu estava não era motel e que ela tinha que fazer algo a respeito.

Mesmo sem eu nunca ter levado nenhum homem para dentro daquela casa e nem mesmo o Júnior sequer chegou a saber aonde eu residia. Aquilo partiu muito o meu coração, e seria ainda mais despedaçado ao receber uma ligação da avó do meu filho, pedindo que deixássemos a casa até o final daquele ano, dizendo que a mesma pertencia à ela. Sim, no mesmo ano que o seu neto preferido havia falecido. Neto, cujo o meu filho era dela bisneto.

Até que em uma noite, recebi a visita da madrinha do meu filho que morava na mesma rua, que se mostrava solícita, mas era sonsa até dizer chega. Uma pena eu só ter descoberto isso tarde, mesmo tendo percebido os sinais. Esse tal tio, apareceu do nada e parecia que estava com o demônio no corpo. Deu um chute no portão que por sorte nossa estava com o trinco e foi por mãos divinas, visto que o mesmo sempre se mantinha aberto, ainda mais naquele dia em que meu filho brincava com um amiguinho em seu quarto.

Não se contentando, buscou um facão e com ele em mãos, quebrou a vidraça da janela do meu quarto, que dava de frente para a calçada da rua e que não tinha muro. Nos vendo ali, nos xingou de tudo que era nome e exigia que a madrinha do meu filho, nos desse o que devia ao pai dele para que pudéssemos deixar a casa. Fez algumas ameaças contra mim e contra a minha vida. Só muito tempo depois que eu tomei conhecimento de algumas transações feitas entre os padrinhos de meu filho com o seu falecido pai.

No final da noite a polícia foi chamada, o covarde não colocou a cara no portão e pela primeira vez na minha vida eu coloquei os meus pés em uma delegacia, e infelizmente para fazer um registro contra uma ameaça de morte. E como diz "Faroeste Caboclo" de Renato Russo: Chegando em casa então eu chorei e pro inferno eu fui pela primeira vez.

Fiquei em torno de uma semana na casa da madrinha do meu filho e simplesmente eu não conseguia acreditar que tudo aquilo estava acontecendo. Mesma semana em que tive azer que fazer uma mini cirurgia para a retirada de um diastema na minha gengiva, para a colocação de aparelho dentário. Dor na alma, dor no corpo, me sentindo humilhada, mas sempre tendo a força de uma leoa para defender o meu filho.

Hoje eu sei que há a necessidade do caos e do equilíbrio, mas eu queria alguém que passasse aquilo tudo junto comigo. Seria pedir demais? Eu mesma tive que resolver tudo sozinha, pois ninguém mais registrou queixa contra ele e eu tive que enfrentar a situação. Liguei para a avó do meu filho e chorando pedi que me deixasse mais um ano na casa para eu ajeitar as coisas, a minha vida, a minha cabeça, as finanças e o raio que o parta que eu precisava resolver. Ela prometeu que falaria com o louco do filho dela e que ele não me incomodaria mais, que cortaria inclusive, uma pensão que ela dava à ele todo os meses, caso o vagabundo voltasse a mexer comigo.

Como eu sabia que ela também tinha um certo medo dele, eu não podia confiar somente nas palavras dela. Eu mesma tive que entrar em contado com ele e ter uma conversa de mulher para rato. Não me aconselharam a fazer isto, mas que outra opção eu tinha? Ficar me escondendo a vida inteira? Ficar fugindo de algo que não tinha feito nada de errado? Então, um dia estando mais calma, ouvi e resolvi atender a voz da minha intuição que dizia para eu ligar, pois o momento era propício e estava favorável.

Lembro-me com certa tristeza que nem os padrinhos do meu filho, cuja casa estávamos abrigados, me davam suporte quando eu tinha que ir em casa para pegar roupas, alimentar as gatas e outras coisas. Ambos saíam para trabalhar em seus carros e armados, enquanto eu por outro lado, caminhava à pé e tinha que "dar os meus pulos". Curiosamente sempre são estranhos que me ajudam nos meus momentos de maior dificuldade, e neste, foi o vizinho da frente que eu costumava pagar regularmente para roçar o quintal. Como ele morava de frente com a minha casa e tinha um bar, ficava de olho pra mim, dizendo quando o louco não estava na casa e me passava uma mensagem quando eu podia ir na minha casa. Ele me escoltava com uma faca em sua cintura, ficava sentado do lado de fora na varanda, enquanto eu pegava ou ajeitava o que era preciso na casa.

Nunca na minha vida pensei em chegar em uma situação tão humilhante e baixa. Então, decidida liguei para ele de um celular e com um outro eu gravava a conversa, pois caso voltasse a me ameaçar eu teria mais provas. Então pedi que me deixasse voltar para casa, que não me importunasse e então eu retiraria a queixa contra ele na delegacia. Ele na maior cara de pau disse que a dona da casa era a mãe dele, e se ela havia deixado eu ficar, que eu poderia voltar. Até hoje eu me lembro do seu tom de voz que era aparentemente tranquilo, porém irônico e que me sugeria "Pode voltar, mas é por tua conta e risco".

Voltamos eu e meu filho, mas a paz e a despreocupação nunca mais eu tive. Até mesmo porque se aquele louco quisesse de fato fazer algum mal para mim e para meu filho, era só pular o muro dos fundos que era colado com a sua casa. Meu "modo alerta" ficava o tempo todo ligado. Portas trancadas sempre que pudesse, mesmo nos dias em que fazia um calor dos infernos. Nos encontramos algumas vezes, afinal éramos vizinhos, mas nunca mais dirigimos a palavra um para o outro. Como o combinado eu retirei a queixa contra ele, até mesmo porque o pedido de medida protetiva da Lei Maria da Penha, havia sido indeferido, pasmem, quase três meses depois.

Ainda assim ele continuava falando sobre a casa com a sua mulher que inclusive, apanhava dele constantemente. Eu não queria ouvir nada, simplesmente não tinha como não ouvir quando o doido bebia e se alterava. Eu não precisava passar mais ainda por aquilo, meu filho não precisava passar por aquela humilhação toda, e tão pouco presenciar tanta violência, tanto descaso e tanta dor com tão pouca idade. Se não gostassem de mim, tudo bem, ninguém era obrigado, mas não pensaram nem na criança que tem o sangue deles.

Dessa vez o psicopata, narcisista e abusador não estava no meu relacionamento amoroso, mas morando ao lado da minha casa. Inclusive, lembro de uma de suas frases ao quebrar a janela e então disse: "Agora chama o seu Júnior para te ajudar". Apesar de não saber como me ajudar, Júnior se manteve presente pelo telefone, mas em março enfrentaria uma grande perda na sua vida. Seu pai adoecera e em um curto espaço de tempo pela a doença acometida, viria a falecer. Júnior teria seus próprios demônios para enfrentar, enquanto eu já estava exausta de exterminar legiões deles...

(Continua...)