CARTA PARA MEU PAI
Meu pai: João Pereira de Souza
Nascimento: 05.08.1913
Falecimento: 19.04.2008
Minha mãe: Maria das Dores de Souza
Nascimento: 27.07.1916
Falecimento: 29.01.2007
Belo Horizonte, 29 de novembro de 2020.
Pai querido, peço-lhe a bênção!
Faz alguns dias que tive vontade de conversar com o senhor. Achei este espaço para me dirigir a quem tanto significou para mim e ainda continua me influenciando. Sabe, pai, falar de muitas coisas que, por descuido, talvez, deixei de fazê-lo quando estava ainda em corpo e alma neste mundo tão judiado. Não foram poucas as vezes que eu olhava para seu jeito de ser e sentia um enorme orgulho. Ver sua simplicidade, seu desapego às coisas materiais, seu desprendimento. Percebia que sua alegria não se explicitava com frequência... No entanto, seu sorriso era gracioso e cativante demais.
Papai, quando eu era menino não compreendia o mundo. Não tinha aptidão para interpretar seus gestos de ternura e de bondade. Não era capaz de, carinhosamente, externar meus sentimentos, dizendo-lhe o quanto era importante para mim. Quando ia para o trabalho, saindo no início da tarde, meu coração ficava vazio e, embora fosse certo seu retorno, na madrugada, já sentia uma saudade do pai amigo, acolhedor e dedicado à família.
Muito tempo se passou. Houve um dia em que nós dois fomos a Rio Espera. De ônibus. Belo Horizonte/Conselheiro Lafaiete. Conselheiro Lafaiete/Rio Espera. Lembra-se? Da data não me recordo bem. Como foi bom aquele dia! O senhor me contou tantas histórias, tantas passagens de sua vida... Fatos tão significativos de sua vida que eu não conhecia e jamais imaginava. Fiquei pensando: Como o senhor foi guerreiro! Teve a coragem de deixar Rio Espera com a família inteira. Mamãe e seis filhos. Fixar residência na capital mineira, uma terra desconhecida. Isso em 1954. Nossa casa, uma simples construção acolhedora, edificada com sacrifício, na rua Almenara, número 15. Sem um emprego fixo. Vivendo apenas de trabalho esporádico. Comercializando, de casa em casa, queijos de qualidade, adquiridos no Mercado Central de Belo Horizonte. Produzindo, com a força das mãos e dos braços, em um pequeno engenho, caldo de cana e, rodeado de seus filhos, vendia para os torcedores em campos de futebol de várzea, próximos de nossa casa.
Pois é, pai, o tempo foi passando, passando... Novos desafios foram aparecendo. E o senhor, sem perder a coragem venceu e foi capaz de formar nossa família. Por sinal, maravilhosa. Até que um dia, chuvoso, cheio de escuras nuvens e de tristeza e dor, teve que se despedir de sua companheira, nossa querida mamãe, que, a chamado do Pai Celestial, não teve outra opção a não ser ir embora, deixando-nos chorosos. O senhor, com o coração partido, se entristeceu e, de seu rosto castigado pela crueldade do tempo, não se pôde mais extrair sequer um simples sorriso. Eu compreendi, pai, seu abatimento. Nós também ficamos apaixonados. Foi realmente um dos momentos mais difíceis de nossas vidas.
Pai, ou melhor, papai, após sua partida, ao encontro do Pai Celestial, o vazio aqui deixado ficou maior ainda. Ausentes deste mundo, o senhor e mamãe. É a ordem natural das coisas. Distante e misteriosa. Estou certo de que, graças à sua generosidade, a seu amor distribuído aqui neste plano, está descansando em paz. Sem sofrimento, sem dor.
Quero dizer-lhe, ainda, antes de finalizar esta mensagem, que o senhor é lembrado sempre. Sua candura, sua sinceridade, seu amor, tudo isso serve de estímulo para enfrentarmos os desafios que a vida nos oferece quotidianamente.
Um abraço carinhoso e um beijo em seu coração.
LUIZ GONZAGA