Carta para um Senhor Distinto IV

Senhor Distinto IV - O Medo

Caríssimo Senhor Medo!

É com uma certa ansiedade que venho, por meio desta carta, ter uma conversa com a Vossa Senhoria.

Conversa esta que vem sendo postergada por muitos anos.

Desde que me tornei adulta (antes do tempo, é importante ressaltar, pois assumi família, marido e filhos muito jovem, adolescente ainda para ser mais exata) venho sentindo essa necessidade de lhe perguntar certas coisas. Mas sempre adiando e adiando esse momento.

Em parte, por medo de descobrir as razões de sentí-lo me rondando, se apossando de minha mente, dirigindo os meus passos e controlando os meus sonhos.

De outra parte, por acreditar que eu mesma seria capaz de afastá-lo de mim sozinha.

Seja por meio de qualquer expediente: estudos, pesquisas, trabalhos, amizades, expressões artísticas, terapias, viagens, redes sociais, engajamento político partidário, entre outras vivências.

Mas, aqui estou eu para confessar que nada disso me ajudou a entendê-lo e muito menos a superar-vos.

Sempre me pego sentindo-o em momentos de stresse e conflitos. Mas isso é normal! Quem não sente medo nessas horas? Até os loucos sentem! Daí ficarem loucos!

Bom! Se o problema fosse só esse seria fácil! O fato é que o "medo" que eu sinto se manifesta quando penso em amor, amizade, lealdade, compromisso, confiança e entrega...

Amo! Digo que amo! Assumo compromisso e sou leal. Mas não confio. Não me entrego. Não gosto de amar.

Tenho medo! E às vezes chego a pensar que esse medo é porque amo. Ou porque não quero amar. Ou ainda, porque não sei amar e ser feliz ao mesmo tempo. Bem! É tudo muito confuso mesmo!

Com relação aos outros, tenho medo de fazer papel de boba. E é o que sempre acontece comigo quando dou confiança e quando me apego a alguém.

O meu medo é tão grande quanto inexplicável.

Uma colega do tempo da faculdade dizia-me que eu tinha "mania de perseguição". Falei disso com a minha psicóloga uma vez. Ela balançou a cabeça concordando mas não falou nada. Na verdade nem sei se ela concordou mesmo com aquele pensamento do senso comum.

Mas o fato é que essa mania de me culpar por tudo sempre me acompanhou. Meu medo das pessoas não gostarem de mim e não me aceitarem por algumas razões que só eu vejo é mais real do que as pessoas podem imaginar.

E o fato de algumas das pessoas mais importantes

na minha vida terem realmente me abandonado por algo que eu fiz ou deixei de fazer contribuiu e muito para que esse meu medo fosse constante.

E sabe o que é mais engraçado de tudo isso? Ou melhor, seria cômico se não fosse triste?

É que as coisas que eu tenho medo sempre acontecem comigo. Às vezes penso que eu as atraio como ímã negativo.

Se quero muito algo ou alguém tenho medo de perdê-los. Então sufoco, prendo, reivindico posse... E assim, os afugento, espanto, amedronto.

Dizem que sou intensa, pesada, até de persecutória me chamaram recentemente!

Ninguém entende minhas razões para sentir medo. Acham que eu tenho tudo para ser feliz e fico fazendo drama. Talvez tenham razão. Quem sabe?

Mas então, por que Vossa Senhoria me persegue?

Se sou uma alma completa, sem necessidades como as outras, porque não me libertas do teu jugo?

Por acaso vai dizer também que sou "eu que não me valorizo"? Que estou "doente" e preciso de Rivotril ou qualquer outro ansiolítico? Ou vai dizer que não tem nada a ver com isso e que eu preciso buscar a Deus, ser mais humilde e agradecida pelas bençãos que ÊLE tem me dado?

Bom! Senhor Medo!

Uma coisa é fato: se uma mente projetiva tiver mesmo o poder de atrair o que pensa, eu não vejo como evitá-lo! Pois, tenho medo do medo que sinto.

E esse medo é sem rosto, forma ou substância. Por isso ninguém o vê! Mas eu sei quando ele chega e me tira o chão!

Eu sei... E o senhor também sabe!

Resignadamente: Adriribeiro/@adri.poesias

Adriribeiro
Enviado por Adriribeiro em 11/11/2020
Reeditado em 15/11/2020
Código do texto: T7109518
Classificação de conteúdo: seguro