Carta para um Senhor distinto II
Senhor distinto II - O tempo
Prezado senhor Tempo!
Receba minhas saudações!
Venho à Vossa ilustre presença por vários motivos, mas penso que não haverá tempo para discorrer sobre todos eles nessa missiva. E como teria que eleger os mais importantes, por hora, só trouxe aqui as prioridades.
Primeiro quero agradecer-lhe por cada ano, mês, dia, horas, minutos e segundos de existência que haveis me garantido até o presente momento, pois o amanhã ainda é seu.
Para dizer a verdade, não venho pedir mais nenhuma fração de segundo do tempo que já houver reservado para a minha existência.
Não tenho a pretensão de viver além das forças físicas que, confesso, são cada dia mais escassas. Sem falar é claro da força espiritual. Esta já há muito que se abateu e apenas tenta acompanhar a minha carcaça material com dignidade até o fim.
Também não vim pedir para adiar a hora da partida do trem da ilusão. Pelo contrário. Quero implorar humildemente que acelere o processo, aproximando-o à velocidade da luz, pois quero mergulhar no vácuo das suas entranhas e repousar na escuridão do esquecimento, para poder apagar da minha mente uma miragem que insistem em povoar meus pensamentos diouturnamente. Não importa se eu durma ou acorde, ela continua lá, incrustada nas minhas retinas, quer de olhos abertos quer fechados.
Talvez, sendo o Senhor Tempo o único remédio para as ilusões do amor, possa torná-las tão passageiras que eu consiga voltar a comer, dormir e sorrir de vez em quando.
Nem precisa ser sempre ou ter horários regulares.
Basta que eu consiga, por um instante que seja, fechar e abrir meus olhos sem me lembrar dos olhos que eu amei mas, que nunca me olharam com amor nem por um segundo.
Assim, reconhecerei que és verdadeiramente sábio e infalível. O Senhor das eras e das horas. Do sempre e do nunca. O grande guardião da eternidade.
O único capaz de me favorecer nesse pedido:
Me faça esquecer que eu o amo! Para que eu possa dizer, em fim, que já passou.
Adriribeiro/@adri.poesias